A comunidade científica está sendo convidada a assinar uma proposta de nova versão daquela grave advertência que há 25 anos foi submetida à Conferência do Rio por mais de 1500 pesquisadores, entre os quais a maioria dos prêmios Nobel vivos. Com apoio da Union of Concerned Scientists (UCS), o convite vem do Oregon: http://scientistswarning.forestry.oregonstate.edu/.
Um dos méritos desse novo aviso (“notice”) é ressaltar algumas conquistas alcançadas nesse quarto de século. Além da exitosa governança global que reduziu o “buraco” na camada de ozônio, esse texto, que está sendo proposto para ser um segundo “World Scientists’ Warning to Humanity”, louva mais três avanços que ainda não aparecem com tanta nitidez nas estatísticas:
1- rápidas quedas das taxas de fertilidade onde foram feitos sérios investimentos em educação de mulheres (especialmente de meninas),2- reduções de taxas de desmatamento regionais, e 3- vigorosa expansão das novas energias renováveis. Ótimas notícias, sem dúvida alguma. Mas bem acanhadas diante dos dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) pactuados na Agenda 2030, inexplicavelmente omitidos por esse projeto. Seus redatores preferiram destacar a dúzia de passos que veem como os mais decisivos para uma transição à sustentabilidade:
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1- priorizar a construção de uma rede de reservas que proteja boa proporção dos habitats terrestres, marinhos e aéreos; 2- estancar a conversão de florestas e campos naturais; 3- restaurar regiões com espécies nativas, particularmente com superpredadores; 4- remediar o extermínio da fauna; 5- diminuir o desperdício de alimentos; 6- promover dietas com predomínio de vegetais; 7- reduzir ainda mais as taxas de fertilidade via educação e planejamento familiar voluntário; 8- promover a educação ao ar livre; 9- incentivar aplicações financeiras que encorajem mudanças ambientais positivas; 10- estimular tecnologias verdes e adotar massivamente as novas energias renováveis, com eliminação dos subsídios às fósseis; 11- garantir que os preços, tributos e incentivos incorporem os custos ambientais ditados pelos atuais padrões de consumo; 12- adotar meta populacional de longo prazo que seja cientificamente defensável.
Há legítima divergência sobre o potencial das inovações humanas em alterar a dita capacidade de suporte da biosfera Leitura atenta dessa dúzia de “passos” sugere predileção por uma tese que incomoda uma parte dos cientistas: a da superpopulação humana como causa essencial da degradação da biosfera, combinada a certa subestimação do dramático problema do aquecimento global. Algo que se confirma em consulta à principal das quatro referências bibliográficas: uma resenha lamentando que primazia à questão climática reduza a relevância da demográfica, ao desviar a atenção para o consumismo nos países desenvolvidos (Science 356: 260-4). Só pode ser esse viés neomalthusiano que explica o forte contraste entre a quantidade e a qualidade das adesões ao abaixo-assinado. Do principal centro internacional de pesquisas socioambientais – o Stockolm Resilience Center (SRC) – só surge o nome de um desconhecido associado. Os pesquisadores do círculo do diretor-científico Carl Folke, do diretor-executivo Johan Rockström, ou do principal conselheiro, o químico Will Steffen, parecem não concordar com o teor dessa paródia da advertência feita em 1992. Aliás, entre bem mais de seis mil adesões já obtidas, não chega a 3% a soma dos físicos, químicos e geólogos, ao lado de insólita avalanche de oriundos das biociências (biologia, botânica, ciências naturais, ecologia, genética, história natural, recursos naturais, saúde, veterinária, etc).
Seria engano, porém, presumir que tão sintomáticas ausências pudessem ser atribuídas a algum tipo de bairrismo entre os cientistas, pois também há biólogos que discordam do conteúdo dessa iniciativa. Como bem mostrou o artigo “A superpopulação não é o problema”, publicado pelo ecólogo Erle C. Ellis, da Universidade de Maryland, no New York Times de 13/09/2013. Ellis conta que no início de sua carreira de pesquisador seguia seus mestres que apontavam para o aumento populacional como a grande ameaça contra o leque de escolhas das futuras gerações. Mas que foi perdendo essa convicção conforme se inteirava dos trabalhos de arqueólogos, geógrafos, historiadores ambientais e economistas agrícolas. E termina enfatizando que “a ciência da sustentabilidade é inerentemente uma ciência social. Nem a física nem a química, ou mesmo a biologia, são adequadas para entender como foi possível que uma espécie tenha remodelado tanto o seu próprio futuro, assim como o destino de um planeta inteiro”.
Em suma, nada que decorra de rixas entre cientistas, mas sim de legítima divergência sobre o potencial que podem ter as inovações humanas em alterar o que seria a dita “capacidade de suporte” da biosfera. E nada que impeça, portanto, apoio ao gesto vindo do Oregon, pois seu lamentável defeito de fabricação não impedirá uma influência positiva. Mas torcendo, é claro, para que a UCS seja mais prudente ao respaldar alguma outra advertência do gênero.
Fonte: “Valor Econômico”, 24/08/2017
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