O Brasil está festejando hoje 25 anos com a nova moeda nacional. Neste período, a inflação acumulada foi menor do que nos seis meses que antecederam a implantação da moeda. Ela acabou com um problema crônico da economia brasileira e trouxe ganhos sociais e econômicos, em vez de perdas associadas a processos de estabilização.
O plano para a adoção do novo padrão monetário foi um sequenciamento de medidas inédito. Consistiu na transferência de quase todas as obrigações externas do Banco Central ao Tesouro, para controlar melhor as políticas cambial e monetária; na criação do Fundo Social de Emergência, para facilitar a geração de superávits fiscais; e no uso da Unidade Real de Valor (URV), uma medida engenhosa, para atrelar os preços em cruzeiros reais ao novo padrão monetário.
Em 1.º de julho de 1994 foi feita a transição para a nova moeda, o real. A inflação despencou, com ganhos para o País. O imposto inflacionário foi reduzido mais de dez vezes e o volume de crédito bancário aumentou e impulsionou o crescimento e o emprego. Foi, enfim, estabelecida uma base para um desenvolvimento sustentável.
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Nos anos seguintes foram feitos alguns ajustes. Na política anti-inflação, num primeiro momento, usou-se o controle de agregados monetários. Depois de março de 1995 foi adotado um regime com juros determinados pela variação cambial, o risco país, a tributação e a taxa básica internacional, até a crise de janeiro de 1999. Daí em diante, adotou-se o regime de metas de inflação, que vigora até hoje. Ele tem apresentado um bom desempenho e a meta está sendo diminuída gradualmente para padrões internacionais.
A estabilização da moeda é um avanço notável. Todavia, o arcabouço financeiro-institucional não foi totalmente adaptado ao real. Causa distorções na intermediação. A taxa de juros neutra é uma das mais altas do mundo e o crédito é inadequado para as necessidades do País, atuando como um freio, em vez de propulsor da economia.
No período anterior à nova moeda, um dos objetivos da política econômica era evitar a dolarização da economia. Para tanto, a moeda remunerada e múltiplos índices de correção eram necessários. As aplicações tinham pouca ou nenhuma tributação. A abertura comercial era baixa e o câmbio era controlado para evitar a fuga de divisas.
O crédito operava em dois compartimentos: um era o direcionado, que operava a taxas fixas, a maior parte delas menor do que a inflação. O outro era o livre, cuja principal função era financiar a compensação. O sistema operava com cheques e DOCs, que demoravam alguns dias para serem desbloqueados. Como a moeda perdia valor diariamente, isso dava um ganho considerável aos bancos com a desvalorização da moeda.
Nos dez anos anteriores, o imposto inflacionário foi, na média, de 5,2% do PIB, um valor maior do que toda a produção agropecuária na época. Desse montante, 2,3% do PIB eram usufruídos pelos bancos. Ilustrando sua importância para a rentabilidade e o modelo de negócios adotados, no ano passado o lucro total do Sistema Financeiro Nacional foi de 1,7% do PIB.
Para apropriar-se de parte dessas transferências inflacionárias, o governo impunha exigências elevadas de liquidez, incluindo depósitos compulsórios exagerados e tributação alta aos bancos. Como os tomadores de financiamento tinham um ganho antecipando a compensação, eram onerados com impostos.
Este quadro teve uma alteração importante em 2002, com a criação do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB). Ele modernizou a transferência de recursos com uma arquitetura técnico-financeira-institucional sofisticada. Acabou com os recursos bloqueados para pagamentos e a necessidade de operações de crédito para financiar a compensação de cheques.
O SPB diminuiu a necessidade de caixa dos clientes e, por outro lado, aumentou a demanda de liquidez dos bancos pela necessidade de pré-depósitos nas câmaras de compensação criadas, principalmente na Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP), aumentando a cunha bancária.
Desde então, foram registrados poucos avanços de destaque na adequação da intermediação financeira à moeda estável. Exigências de liquidez exageradas, a moeda remunerada, a tributação distorcida, a indexação múltipla, a inexistência de um redesconto operacional, o mercado de câmbio compartimentalizado, o curto prazo e a opacidade continuam prejudicando a economia.
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Todos os três presidentes do Banco Central anunciaram medidas para redução da margem (spread) do crédito. Houve avanços tímidos em algumas linhas, mas no agregado o resultado foi pífio. Ilustrando o ponto: a taxa do cheque especial para pessoa física aumentou em cada um dos três períodos.
O impacto disso na economia é grave. Atualmente, há 63,2 milhões de cidadãos e 5,4 milhões de micro e pequenas empresas com anotações de atraso. A inadimplência continua aumentando e as expectativas de crescimento, caindo. É claro que o problema é o diagnóstico das disfunções da intermediação, que deve ser alterado. Não é a concentração, que está diminuindo.
Também não é a falta de educação financeira. É como afirmar que as mortes do Titanic foram causadas porque os passageiros não sabiam nadar. Culpar a crise econômica é não analisar a ordem de causa e efeito, a morosidade aumentou antes da crise de 2015. A semelhança com aquele período é assustadora.
Já a proposta de aumentar ainda mais a cunha, com mais um imposto sobre a intermediação, é aterrorizante. É repetir o erro dos três períodos anteriores. Aumentando o custo do crédito, aumenta a margem, o que implica mais inadimplência, uma redução do volume de crédito e perda no valor de ativos – e, consequentemente, menos crescimento.
Uma alteração na política bancária é peremptória. A prescrição é remover o entulho inflacionário da intermediação, o que redundaria num estímulo forte para o crescimento da economia.
Fonte: “Estadão”, 01/07/2019