Os judeus são basicamente debatedores. Entre eles, cada evento, pessoa ou objeto jamais são vistos de um só ponto de vista. Daí, acentuam os estudiosos, as inúmeras disputas na vida e no pensamento judaico, incluindo seus livros sagrados como o Talmude e a Torá. Historiadores desse povo disperso, e com inserções diversas nos países para os quais foram forçados a ir ou expulsos, apontam essa extremada e dramática experiência de ser “o outro” como um elemento básico dessas discordâncias e dessa afinidade com a dúvida. Afinal, ser o “povo eleito” é ser uma coletividade marcada por uma extremada alteridade…
O atual momento brasileiro está de tal ordem contaminado pela insensatez, ignorância, descrença e cinismo que vale a pena recordar uma velha anedota judaica que me foi contada em Nova York por um rabino e amigo querido. Estou, pois, consciente do meu plágio ou roubo, tão comum, aliás, no meio intelectual e jornalístico. Acentuo o ponto porque, quando escrevemos, não reconhecer a fonte denuncia o plagiário burro engolfado por sua vaidade. Essa turma que infesta com pompa e circunstância o curto cenário brasileiro.
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Mais de Roberto DaMatta
De fora pra dentro
Sabe com quem está falando?
Morrer, dormir, talvez sonhar
Abe, um jovem judeu, foi ver o rabino. “Rabi – pediu – eu ficaria muito grato se o senhor me explicasse o Talmude.” “Claro”, disse o mestre, “mas, primeiro, eu preciso fazer uma simples pergunta. Se dois homens saem de dentro de uma chaminé e um sai sujo e o outro limpo, quem é que se lava?”.
“O sujo!”, respondeu Abe prontamente.
“Não, Abe!”, disse o rabino debaixo do olhar espantado do jovem. “Quem se lava não é o sujo porque ele se acha limpo – é justamente o limpo que pensa que está sujo. Agora, outra pergunta: se dois homens saem de uma chaminé e um sai sujo e o outro sai limpo, quem se lava?”
Abe deu um riso condescendente: “O senhor acabou de me responder: o homem limpo, porque ele acha que está sujo”. “Não, Abe”, replicou o rabino. “Cada um olha para si: o homem limpo sabe que não tem que se lavar, mas o sujo, lava-se…”
“Agora uma pergunta final. Se dois homens saem de uma chaminé e um está sujo e o outro limpo, quem se lava?”
Desta vez Abe fez uma careta de protesto. “Eu não sei, rabino. Poderia ser qualquer um, dependendo do seu ponto de vista.”
“Não! Abe!”, disse o rabino com firmeza. “Se dois homens saem de dentro de uma chaminé, como é que um deles pode sair limpo
Ambos, obviamente, saem sujos e ambos se lavam.”
Abe estava, agora, completamente confuso. “Rabino, você fez exatamente a mesma pergunta três vezes, mas deu três respostas diferentes. Você está brincando comigo?”
“Não, Abe”, disse o rabino, “eu nunca brinco com você. Isso é o Talmude…”.
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O aluno de doutorado, que jamais leu um livro, pergunta ao professor de sociologia política.
– Bebeto, me ensina como o Brasil deu no que deu.
– Primeiro, eu tenho que lhe fazer uma ou duas perguntinhas, diz o mestre. Eis a primeira: dois ministros saem de uma chaminé, quem se limpa primeiro? O corrupto ou o honesto?
– Quem tem as costas quentes jamais pensa em se lavar, diz o jovem doutorando.
– O que você entende por costas quentes? Replica o professor.
– Eu estou pensando no cargo que aristocratiza e isenta, no modo de usar no cargo e no prestígio de quem o nomeou; em quem são os seus compadres, amigos e companheiros; ao partido político que ele pertence; se foi preso ou perseguido em alguma ditadura…
– É uma lista interminável… – pondera o professor-doutor Humberto, interrompendo o aluno.
– E o pior é que eles pensam que esses infinitos recursos de poder podem ser corrigidos com leis e não com uma honesta crítica dos seus costumes, dos limites de suas relações.
– Então os dois saem sujos? Experimenta o professor.
– Não. Responde o aluno. Ambos, sendo legais e caindo dentro da lei, não querem nem saber onde está a sujeira.
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Eu dei uns socos uma vez na minha vida contra flamenguistas. Não eram torcedores, mas uma seita. Neste domingo, o Flamengo englobou o meu coração e o Brasil. Há muito mais nas identidades sociais do que pensa a nossa vã ideologia.
Fonte: “O Globo”, 27/11/2019