Uma pesquisa recentemente publicada dá conta do aumento expressivo das ações envolvendo planos de saúde privados. É verdade, entre 2016 e 2017 houve o crescimento da judicialização do tema. Mas a questão deve ser tratada com cuidado para não passar a impressão de que os planos de saúde privados são bandidos ou coisa parecida.
Em primeiro lugar é importante destacar que os planos de saúde privados são o terceiro sonho de consumo dos brasileiros. Se eles fossem um desastre ou não atendessem a maioria dos segurados, com certeza não estariam nesta posição. Afinal, quem vai querer pagar caro por algo que não funciona?
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Atualmente, o Brasil tem perto de 47 milhões de pessoas atendidas pelos planos de saúde privados. É o menor número em vários anos. As razões para isso são a crise econômica e o desemprego gerado por ela. Quem saiu dos planos – e foram mais de três milhões de pessoas – com certeza não o fez por vontade própria, e sim, porque perdeu o ganha-pão, tanto faz se por demissão ou por redução do mercado de prestação de serviços.
Os planos de saúde privados autorizam anualmente mais de 1,5 bilhão de procedimentos, desde os mais simples atendimentos ambulatoriais até complexas cirurgias de transplante de órgãos ou caros tratamentos de câncer e outras doenças.
Em 2016 havia perto de 19 mil ações judiciais sobre o tema. Este número saltou, em São Paulo, para perto de 30 mil em 2017. É um aumento importante e que deve ser criteriosamente analisado para impedir que ele continue se repetindo nos próximos anos.
Por outro lado, qualquer discussão sobre o tema deve levar em conta que é justamente no Estado de São Paulo que está a grande maioria dos titulares dos planos de saúde privados. Isto quer dizer alguns milhões de pessoas. É neste contexto que as 30 mil ações de 2017 precisam ser analisadas.
Trinta mil ações para mais de 10 milhões de pessoas é um número baixo. Absoluta e relativamente baixo. E a ordem de grandeza fica mais clara quando se leva em conta que a Justiça paulista tem mais de 22 milhões de ações em andamento.
Desses dados pode-se extrair que os planos de saúde privados atendem satisfatoriamente a massa de seus consumidores. O número de ações é baixo na relação processos versus segurados e é mais baixo ainda no porcentual da totalidade das ações em curso.
Então, por que o destaque dado pela imprensa em geral sobre o aumento da judicialização do tema? A primeira razão é que o que está em jogo é a saúde das pessoas. Autorizar ou não autorizar um determinado procedimento pode ser a diferença entre a vida e a morte e é humano que alguém tente tudo que estiver ao seu alcance para ser atendido, ainda que as condições do plano não contemplem aquele determinado atendimento.
Parte importante das ações diz respeito a pedidos de liminares para que o plano arque com atendimentos que por alguma razão são ou foram negados. Sem dúvida, várias destas situações envolvem negativas indevidas, sendo um porcentual decorrente de erro de avaliação do caso; outro, de falta de caixa da operadora para fazer frente aos custos num determinado período; e outro, porque aquela determinada operadora não é séria.
Mas existem também situações em que o procedimento não está coberto. Nesses casos, quem arca com o pagamento, fruto da liminar, não é a operadora, mas todos os outros segurados, já que, no final do exercício, a operadora fará a soma das despesas e rateará os pagamentos indevidos no preço cobrado de todos os participantes.
Ninguém discute que recorrer ao Judiciário é um direito constitucional. E o brasileiro tem se valido dele com fartura, tanto que hoje temos mais de 100 milhões de processos correndo no País. É justamente por isso que os 30 mil processos distribuídos em São Paulo ao longo de 2017 mostram que, entre secos e molhados, com crise para agravar a situação, pedidos indevidos e pedidos com cobertura, os planos de saúde privados, com todas as críticas que lhes são feitas, prestam serviço inestimável à saúde do brasileiro.
Fonte: “Estadão”, 05/03/2018