A atual crise ético-política tem gerado um enorme dano reputacional à democracia brasileira. Parte desse estrago encontra-se retratado no mais recente informe do Latinobarómetro, instituição chilena que, nos últimos 20 anos, vem medindo a percepção dos habitantes da região em relação à democracia, ao estado de direito e à economia.
Toda pesquisa de opinião deve ser tomada com cautela, pois ela não retrata a realidade, senão a percepção que as pessoas têm dessa realidade. Percepções, no entanto, são muito importantes, pois influenciam o modo como cada um de nós se comporta, seja em nossa vida econômica, seja em nossa atuação como cidadãos.
O que mais se destaca no presente relatório é a ascensão da corrupção como principal problema brasileiro, deslocando a saúde, que historicamente se apresentava como o cardeal problema. Entre os 18 países latino-americanos analisados, o Brasil é o único em que a corrupção é vista como a questão que mais aflige a sociedade. Na maioria dos países, delinquência/segurança vem em primeiro lugar.
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Em 1995, apenas 4% dos entrevistados consideravam a corrupção nosso problema central. Hoje 22% dos brasileiros apontam a corrupção como principal dificuldade, seguida de saúde (17%), economia (11%) e segurança (9%). Ao longo desses 20 anos, a corrupção apenas ocupou posição de dianteira em 2005, quando da explosão do escândalo do “mensalão”.
Esses dados são corroborados por uma desconfiança mais antiga do brasileiro na autoridade da lei. Conforme os diversos relatórios do Índice de Percepção de Descumprimento da Lei, da FGV Direito SP, cerca de 80% dos brasileiros entendem que é fácil descumprir a lei e preferem dar um “jeitinho” a cumpri-la. Ou seja, o descompasso com a legalidade não se localiza apenas na política, nas empresas ou nos partidos, mas também no âmbito social.
Essa desconfiança generalizada reduz incrivelmente nosso capital social e, por consequência, dificulta a articulação política/coletiva de soluções. Num ambiente em que reina a desconfiança generalizada, o oportunismo parece ser a conduta mais utilizada pelos diversos atores. É o salve-se quem puder. Daí vermos a dimensão da crise se avolumar, sem que os atores políticos sejam capazes de construir alternativas.
Romper esse círculo vicioso não é uma tarefa fácil e certamente irá demorar muito tempo. Uma parte dessa responsabilidade recai sobre a Justiça, entendida como o conjunto das agências de aplicação da lei. A responsabilização daqueles que ilegalmente se apropriaram de recursos públicos é essencial para reverter as expectativas de que vivemos sob o império da impunidade.
Nesse sentido, difícil prever qual será a consequência da recente decisão do Supremo Tribunal Federal de distribuir os diversos casos de corrupção hoje sob a jurisdição do juiz Moro. O fato é que essa decisão difunde a responsabilidade e coloca em teste a autonomia e integridade da polícia, do Ministério Publico e da Justiça Federal, como um todo. O próprio Supremo será em breve cobrado pelo destino de Eduardo Cunha.
A Justiça não resolverá a crise política, como tenho insistido neste espaço. Pode contribuir, no entanto, para reverter a baixíssima confiança que o brasileiro hoje deposita em suas instituições e no próprio direito.
Fonte: Folha de S. Paulo
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