O caso da Vale e o recente afastamento de sua direção após a tragédia de Brumadinho reacendem o debate sobre a real responsabilidade dos executivos e donos de empresas. Infelizmente, até agora, muito do que se tem feito no campo da responsabilidade social tem sido reativo e pro forma. As corporações e seus braços filantrópicos criam peças de propaganda que reportam projetos de apelo para o grande público, muitas vezes sem dar evidências claras do impacto sobre as populações supostamente beneficiadas. Pior, essas iniciativas podem servir para a lavagem de reputação: milhões de reais são investidos para compensar ou afastar a atenção de bilhões ganhos em atividades menos nobres.
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Por exemplo: um estudo na indústria americana de petróleo, realizado pelos pesquisadores Jiao Luo, Aseem Kaul e Haram Seo, da Universidade de Minnesota, mostrou que companhias que poluem mais o meio ambiente doam mais recursos a causas filantrópicas do que as menos poluentes. Suas ações perdem menos valor na bolsa quando aparecem notícias sobre os danos ecológicos de suas operações, comparativamente às empresas menos generosas. Não é à toa que muitas corporações que cometem irregularidades ostentam portentosos investimentos sociais. No Brasil, das 26 empreiteiras envolvidas em recentes denúncias de corrupção, 62% mantêm organizações sem fins lucrativos ou contribuem com causas diversas (direta ou indiretamente, via seus donos). Entre as que conseguiram acordos de colaboração ou delação premiada, o porcentual é ainda maior: 83%.
Há algo de muito errado aí. Projetos sociais não devem compensar a negligência de responsabilidades básicas, incluindo prevenção de danos, respeito a direitos, lisura nas relações com o setor público e engajamento em práticas pró-competitivas. E não se trata apenas de realizar auditorias ou procedimentos internos para garantir a adesão a regras ou leis. Acordos velados com competidores para dividir mercados ou aumentar preços, por exemplo, são difíceis de detectar pelos reguladores. Coibir tais práticas pode trazer ganhos à população bem maiores do que qualquer projeto social que a empresa possa conceber e executar.
Aqueles que passarem por esse estágio e quiserem fazer mais deverão também ponderar se são, de fato, a melhor opção para gerar impactos transformadores. O bilionário Warren Buffett, ao doar mais de 99% de seu patrimônio a causas sociais, decidiu apoiar organizações com eficácia comprovada, como a Gates Foundation, em vez de executar os próprios projetos. Mas essa não é a prática usual. Cada um quer tocar sua ideia e criar a própria fundação, o que resulta em inúmeras iniciativas similares e muitas vezes sobrepostas. Com maior foco e colaboração, haveria mais tempo e recursos para garantir fazer o que é certo em todas as frentes, com muito mais impacto para além do autointeresse das marcas.
Fonte: “Veja”, 08/03/2019