Prestes a completar cinco anos em agosto, a Lei Anticorrupção tem pouco a comemorar e enfrenta críticas sobre sua eficácia no combate à corrupção. De um lado as queixas remetem a falhas ainda na concepção acelerada em 2013. Do outro, especialistas apontam que, mesmo sendo uma lei jovem, ela já não acompanha o novo contexto anticorrupção no País, que tem como pano de fundo quatro anos de Lava Jato.
Silvia Urquiza, presidente do Instituto Compliance Brasil, avalia a lei como um remendo que precisa ser adaptado ao novo contexto do Legislativo. “Desde 2013, não teve revisão, ela é um cópia e cola do Concorrencial do Cade”, diz.
A Lei Anticorrupção ou Lei da Empresa Limpa nasceu de um projeto de lei proposto em 2010, e que teve sua tramitação acelerada em 2013 como uma tentativa de resposta da classe política ante as manifestações de junho daquele ano, que começaram contra as tarifas de ônibus e depois ganharam força e somaram outras reivindicações políticas.
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De lá para cá, os esforços para melhorar o ambiente anticorrupção no País foram tímidos, avalia a Transparência Internacional. Por isso, a entidade propôs as Novas Medidas Contra a Corrupção, pacote formado por 70 propostas legislativas considerado o maior documento anticorrupção do mundo.
“Desde 2015, corrupção surge como uma das maiores preocupações dos brasileiros. Mas não existe solução simples para problemas complexos, por isso leis precisam ser constantemente renovadas”, avalia Michael Freitas Mohallem, coordenador do Centro de Justiça e Sociedade, professor da Fundação Getúlio Vargas e colaborador do pacote anticorrupção.
Regulamentação do lobby, devolução do bônus pelos executivos pegos em escândalo, mais incentivos a programas de integridade dentro da Lei Anticorrupção e criminalização da corrupção privada são algumas das novas propostas ligadas diretamente às empresas. “As empresas são o canal para que mudanças sejam implementadas. Elas são parceiras nessa melhora, mais do que causadoras de dificuldades”, diz Guilherme Donega, consultor da Transparência Internacional no Brasil.
Para ele, no entanto, a melhora do ambiente anticorrupção no Brasil ainda trava na escassa punição para a corrupção privada. Donega conta que, no País, corrupção só é crime se envolver agente público, mas ela transcende essa esfera.
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Na prática. Apesar de a lei ter suas falhas, as empresas brasileiras tentam seguir à risca seus mandamentos, sobretudo as que têm ações negociadas em Bolsa. No centro da Lava Jato desde a primeira operação em 2014, a Petrobrás tem buscado aprimorar os programas de governança para mudar sua imagem. Tomada de decisões colegiadas, composição do conselho administrativo com membros independentes, aprimoramento do código de ética, treinamentos de boas práticas e análise dos candidatos a cargos administrativos e membros do conselho são algumas das ações implantadas. “Não podemos subestimar o impacto da Lava Jato, mas o trabalho de governança e compliance é explicar que todos devem estar envolvidos na melhora do ambiente da companhia, que é um esforço coletivo”, diz Márcio Campanelli, gerente de Conformidade da Petrobrás.
Com as mudanças, a B3 autorizou em maio a adesão da estatal à listagem do Nível 2 e as ações da empresa passaram a ser negociadas no segmento que exige o atendimento de regras mais rígidas de governança.
Além do aval da B3, a companhia mostrou que está no caminho para o Ministério do Planejamento. A Petrobrás recebeu nota 10 pela segunda vez no novo índice de governança das estatais, o IG-Sest, criado pelo ministério do Planejamento para avaliar um universo de 48 empresas, cuja média geral foi 6,9.
Após confessar ter montado um dos maiores esquemas de pagamento de propina já vistos no mundo, a Odebrecht Construções busca consolidar sua regras de governança e compliance para mudar a reputação do setor. Desde que foi implantado, o sistema de conformidade da construtora, baseado em prevenção, remediação e detecção de riscos de não conformidade, já foram demitidos 24 funcionários por envolvimento em fraudes, mas nenhum caso de corrupção foi detectado por enquanto. “Essas pessoas mantinham relação não ética com fornecedores”, explica Fábio Januário, presidente da construtora.
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Segundo Januário, esse tripé para coibir fraudes tem um fator multiplicador, pois afeta toda a cadeia produtiva de negócio, uma demanda inclusive dos investidores. “Os provedores de capital, sejam públicos ou privados, não vão mais alocar capital em projetos onde os players não estejam aderentes a boas práticas de conformidade.”
Um ano após o vazamento da delação de Joesley Batista, o grupo J&F lançou o Código de Conduta elaborado pela Diretoria de Compliance para “não ser mais conivente com práticas de corrupção”. A orientação, segundo a empresa, segue em linha com o que foi explicitado pelo grupo em maio do ano passado, quando admitiu seus erros e pediu desculpas aos brasileiros.
O diretor de Compliance, Emir Calluf Filho, ressaltou em nota sobre o treinamento que a J&F vem cumprido as leis relacionadas às práticas de concorrência e de comércio justo. Pelo acordo de leniência assinado pela empresa, ela é obrigada a relatar todas as políticas de compliance que são desenvolvidas.
Segundo a empresa, o foco do treinamento é mostrar que as dúvidas estão muito baseadas no conflito de interesses, que ocorre quando um colaborador ou parceiro age em interesse próprio acaba indo contra os princípios da empresa.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”