Keynesianos de quermesse classificam como “austericídio” a tentativa de controle dos gastos públicos, embora o desempenho de 2015 deixe claro que até mesmo “tentativa” é um termo exagerado para descrever o ocorrido no ano passado.
Reclamam que a austeridade agravaria a recessão, reduzindo a arrecadação e levando a maior desequilíbrio fiscal (tema que, diga-se, jamais os preocupou). Para não perder o hábito, papagueiam ideias desenvolvidas em situações muito distintas das vividas pelo país; ironia suprema para quem se gaba da atenção às “condições históricas”, mas não consegue sequer notar o óbvio.
Há duas políticas para controlar a inflação de forma sustentável: a fiscal, o manejo dos gastos e receitas do setor público; e a monetária, a determinação da taxa de juros pelo Banco Central. Em teoria, uma mesma taxa de inflação pode resultar da combinação entre gastos menores e taxas de juros mais baixas, assim como de gastos mais elevados e taxas de juros maiores.
Na prática, essa troca entre políticas fiscal e monetária costuma ser mais complicada. Alterações de gastos e tributos são demoradas, pois envolvem aprovação parlamentar e sua adoção demanda tempo (aumentos de impostos, por exemplo, só entram em vigor depois de determinado prazo). Já a fixação da taxa de juros é prerrogativa do Executivo, e seus efeitos, mesmo consideradas as defasagens usuais, se materializam mais rápido do que programas de gastos públicos e tributação.
É normal, pois, que taxas de juros variem mais do que o Orçamento. Presumindo que a política fiscal não se altere muito durante dado período, cabe à política monetária lidar com o ciclo econômico, contendo pressões inflacionárias em determinados momentos ou estimulando a atividade em outros.
Sob certas circunstâncias, porém, esse arranjo deixa de ser funcional. A política monetária perde força quando a taxa de juros já se encontra muito próxima a zero. Ainda que alguns países tenham experimentado trazê-las a terreno negativo, como o Japão, na semana passada, há limites para isso. Investidores podem preferir simplesmente manter seus recursos em caixa, garantindo retorno de zero, baixo, porém superior ao de taxas de juros negativas.
Nesse caso torna-se muito mais difícil para bancos centrais compensarem, por meio de juro mais baixo, eventuais apertos do lado da política fiscal. Sim, há a experiência da “expansão quantitativa” (QE), mas as dificuldades são, sem dúvida, bem maiores.
Ocorre que, como alguém já deve ter notado, taxas de juros próximas a zero não são exatamente nosso problema. Há espaço considerável para cortar a taxa de juros caso o país embarque num programa sério de austeridade fiscal que sinalize taxas de inflação cadentes.
Pura teoria? Não.
É raro fazermos experimentos em economia, mas o anúncio do Orçamento deficitário para 2016, que provocou salto imediato em expectativas para a inflação até dois anos à frente, chega bem perto disso, revelando que frouxidão fiscal piora as perspectivas inflacionárias e pressiona a taxa de juros. Isso sugere que a consolidação fiscal crível teria efeito oposto, isto é, juros mais baixos e maior crescimento.
Não me surpreendo com a ignorância do governo a respeito; já a dos keynesianos de quermesse me causa ainda menos espanto.
Fonte: Folha de S.Paulo, 03/02/2016.
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