A lentidão da justiça e a economia
Desde que, em 1937, Ronald Coase afirmou que a empresa é um “feixe de contratos”, tal constatação nunca foi tão verdadeira. Hoje, uma empresa é não só um grande feixe de contratos na sua organização interna, mas também o é em suas interações com stakeholders externos. Relações com empregados, fornecedores, consumidores, alianças estratégicas, fusões e aquisições, tudo é materializado em relações contratuais. E, com raras exceções, a garantia dessas relações se dá pela via judicial. Daí, pode-se perceber a forte interação entre Direito, negócios e Economia.
No Brasil, no entanto, essa relação só começou a ser estudada seriamente quando uma crise já estava instalada. Magistrados atolados em processos, empresas esperando anos para verem acordos garantidos, consumidores desanimados com o tempo para se valer de direitos básicos, tudo isso passou a fazer parte do dia a dia do Judiciário e das atividades econômicas. Hoje existem no país mais de 100 milhões de processos nos tribunais, ou seja, 1 para cada 2 brasileiros, incluindo crianças, idosos, pessoas incapacitadas etc. Só em 2014, de acordo com o último relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (2015), foram quase 30 milhões de novos casos. Levando em conta que existem no país cerca de 18 mil magistrados, é fácil perceber que, diferentemente do que acredita o anedotário popular, os magistrados brasileiros têm uma carga de trabalho extremamente alta. Há estimativas de que, em qualquer momento do tempo, cada magistrado tenha à espera 10 mil casos para analisar.
Por outro lado, da mesma maneira que existe o mito de que “juízes não trabalham”, também existe outro anedotário que aponta para a falta de pessoal e outros recursos como sendo os culpados pela ineficiência judicial. Essa alegação, inclusive, não é uma invenção nacional. Morosidade da Justiça é reportada em praticamente todas as democracias atuais, mas o diagnóstico mais automático é sempre o da falta de recursos. No caso brasileiro, é fácil perceber que a questão vai bem além.
Comparando a porcentagem de gastos com recursos humanos e materiais do Judiciário brasileiro com a de outros países, em todos os quesitos estamos acima da média. Mas os níveis de satisfação dos usuários não é melhor. Neste curto artigo, não seria possível discorrer sobre todos os fatores que explicam esse resultado, mas aponto para um fato em especial: a excessiva carga de trabalho não judicante que os magistrados têm em seu dia a dia. Despachos burocráticos, administração operacional e dos funcionários, etc. ocupam parcela significativa da rotina do juiz. Quando este(a) assume a presidência do tribunal, a situação torna-se insustentável.
A pergunta simples é: por que a gestão judicial não pode ser entregue a profissionais, ou seja, gestores de organizações (isto é,administradores),para permitir que os magistrados foquem naquilo em que eles fazem melhor, que é judicar? Obrigá-los a cumprir funções administrativas é fazer péssimo uso do tempo valioso de um profissional com sofisticado grau de especialização. Na verdade, é menosprezar a formação, o preparo, o tempo e a energia dos magistrados.
Algumas soluções parecem já estar sendo praticadas, muitas vezes, com resultados positivos. Em alguns Estados, a criação de varas especializadas apresenta impactos significativos na eficiência. Curioso notar que, nesses casos, até mesmo o usuário dos serviços judiciais percebe isso. O novo Código do Processo Civil promete trazer algum alívio nesse sentido também, porém ainda é cedo para comemorar. Alguns tribunais estaduais estão se conscientizando da necessidade de uma gestão profissional, feita por administradores, voltada para resultados (até mesmo com obtenção e manutenção de certificados de qualidade, como o ISO 9001). E, eventualmente, cursos em gestão para todos os profissionais de Direito que assumem cargos administrativos nos tribunais.
A Economia e a sociedade terão muito a ganhar, assim como a própria comunidade jurídica.
Como sempre, um show de brilhantismo. Ela, sempre ela!!