O foro privilegiado é o maior inimigo da Lava Jato. Enquanto os políticos que estão sob o manto da proteção de seus mandatos enxergam seus processos parados em Brasília, aqueles que preferiram não concorrer ou que perderam as prerrogativas do cargo, começaram a acertar suas contas com a justiça.
São os casos de Sérgio Cabral, Antonio Palocci, Henrique Eduardo Alves, Eduardo Cunha, José Dirceu e agora Lula. Aqueles que não estão blindados por mandato acabam nas mãos de juízes e desembargadores federais que resolveram aplicar a lei.
Em Brasília, na corte destinada a julgar os políticos com mandato, o direito se confunde com a política. O compadrio, os conchavos e os interesses falam mais alto do que os rigores da lei. Por meio da Lava Jato, 36 inquéritos resultaram em denúncias no Supremo Tribunal Federal. São sete processos que atingem cerca de 100 acusados. Nenhuma destas ações penais chegou ao fim até agora.
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Em Curitiba é diferente. Sem o foro privilegiado, até agora foram 72 acusações criminais contra 289 pessoas – 37 delas já com sentenças. Somam-se até o momento 177 condenações contra 113 pessoas. Um total de penas de 1.753 anos e sete meses. No Rio Janeiro, onde a Lava Jato chegou depois, já foram 25 denúncias contra 134 pessoas. São quatro sentenças contra 31 acusados que somam 337 anos e cinco meses de reclusão.
Entretanto, a influência da nossa corte suprema não ocorre apenas nos processos originários. Como órgão revisor, frequentemente analisa recursos e pedidos de liberdade vindos de Curitiba ou do Rio de Janeiro. Contaminados pela política, com uma frequência maior do que a esperada, nossos ministros acabam por aliviar a vida de muitos acusados e enfraquecem as investigações.
Contudo, o que vimos em Porto Alegre foi um mundo diferente. A trinca formada pelos desembargadores João Pedro Gebran, Leandro Paulsen e Victor Laus mostrou que uma nova geração de juízes pede passagem. Magistrados firmes, que falaram apenas nos autos e foram didáticos durante o julgamento. Sem exibicionismos, foram homens que se colocaram ao lado da lei, ao invés de sucumbir aos fascínios do poder. Fizeram eco ao pensamento do juiz Sergio Moro: “Não importa o qual alto você esteja. A lei está acima de você”.
Já chegou o momento do Brasil discutir os mecanismos de escolha dos ministros do Supremo. Projeto do senador gaúcho Lasier Martins em tramitação no Congresso Nacional seria um enorme avanço neste sentido. Da maneira que conhecemos, o STF é uma corte que serve mais aos poderosos do que ao brasileiro comum, um grave desequilíbrio. Veremos novamente nossa corte se dobrar se decidir rever a determinação da prisão em segunda instância por força a iminente prisão de Lula, condenado na Lava Jato.
O Brasil precisa acreditar mais em seus juízes e menos no foro privilegiado. Nossos valorosos magistrados que hoje fazem história, precisam de mecanismos meritocráticos que os alcem aos tribunais de Brasília. Um novo Brasil pede passagem, um país onde ninguém pode ser condenado por ter costas largas ou absolvido por ter costas quentes, como lembrou um dos magistrados de Porto Alegre.
Fonte: “O Tempo”, 29/01/2018