Há 25 anos, o então presidente Collor, indignado com o fato de o Congresso ter expressamente rejeitado uma de suas medidas provisórias, determinou que, com alguns disfarces, a medida fosse reeditada.
Essa farsa jurídica deu origem a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI-293), relatada pelo ministro Celso de Mello. Ao perceber a chicana, o então “novato” ministro do Supremo Tribunal Federal determinou a imediata suspensão da ilegítima medida provisória.
Para o ministro Celso de Mello, “modificações secundárias de texto, que em nada afetam os aspectos essenciais e intrínsecos da medida provisória expressamente repudiada pelo Congresso Nacional, constituem expedientes incapazes de descaracterizar a identidade temática que existe entre o ato não convertido em lei e a nova medida provisória editada”.
Pela primeira vez, no curto e conturbado reinado de Collor, o Supremo se levantou para dizer, de forma clara, que o fato de ter sido eleito pela maioria não dava ao presidente Collor o poder para fazer o que bem entendesse.
Começava então a ruir um governo prepotente e arbitrário.
Como Collor, Eduardo Cunha parece não ser muito afeito à ideia de limites, mesmo que esses sejam estabelecidos pela Constituição. Circundado por suspeitas e vendo a confiança no parlamento rolar precipício abaixo, busca dispersar a atenção de todos, com a apresentação de medidas controvertidas e não necessariamente constitucionais.
Inconformado com a derrota no plenário da Câmara dos Deputados de sua proposta de emenda destinada a reduzir a maioridade penal (PEC 171), Cunha não vacilou: enviou ao plenário “emenda aglutinativa” com o mesmo objeto do projeto de emenda que havia sido rejeitado 24 horas antes.
O mais surpreendente desse episódio é que 323 deputados, sem qualquer cerimônia, chancelaram a manobra do presidente da Câmara dos Deputados, apesar da Constituição expressamente proibir que uma proposta de emenda rejeitada seja reapresentada na mesma sessão legislativa (artigo 60, paragrafo 5º, da Constituição Federal).
Importante frisar que essa não é uma regra destituída de sentido. Seu objetivo é esfriar o processo político, buscando impedir que a Constituição fique vulnerável a paixões momentâneas.
Ao estabelecer quórum diferenciado, votação em dois turnos, submissão às cláusulas pétreas, bem como proibir a imediata reapreciação de projeto de emenda rejeitado, o constituinte buscou proteger o texto constitucional de ataques aventureiros, ainda que respaldados por maiorias eventuais.
A dissimulada “emenda aglutinativa” de Cunha, aprovada em clara afronta ao “devido processo legislativo”, seguirá agora para o Senado, que terá a oportunidade de corrigir a falha grosseira cometida pelos deputados. Caso não o faça, restará ao STF a missão de preservar o cumprimento das regras do jogo.
Isso não deverá ser uma tarefa difícil para um tribunal que há 25 anos, ao impor limites à escalada autoritária do então presidente Collor, determinou que “a Constituição não pode submeter-se à vontade dos poderes constituídos… ao Supremo Tribunal Federal incumbe a tarefa, magna e eminente, de velar para que essa realidade não seja desfigurada”.
Fonte: Folha de S. Paulo, 11/7/2015
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