Como mostram as diferenças culturais entre ser chamado de taxpayer ou de “contribuinte”, a linguagem revela muito sobre o jeito brasileiro de viver.
Como lembrava o professor Roberto Campos, lucro em inglês é profit , que vem do latim profiscere , ser eficiente. É um orgulho. Em português, é quase um palavrão, não por acaso, aproximado de logro. Quando se juntou à culpa católica, deu no que deu.
Mas não estamos sós, os espanhóis chamam lucro de, acredite, ganancia . Vem de ganhos. Mas como dizia meu sábio pai, “dinheiro não se ganha, se arranca!”
Já os franceses o denominam bénéfice , como se fosse algo que se recebe sem fazer muita força, um ato de justiça.
Enquanto em inglês, espanhol e italiano juros é interest , interés , interesse , em português se confunde com com o presente do indicativo do verbo jurar. E nem sempre pagar. Muito sintomático.
Falência em inglês é bankruptcy , literalmente ruptura bancária, falta de crédito. Em espanhol é mais dramático, quiebra . Mas, em português, falir se aproxima de falhar, do erro humano, da complacência. Quanto mais inventamos eufemismos, mais se revelam as farsas que encobrem.
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Em inglês, deputado é representative , para não esquecer de sua função. Deputy é só o substituto.
Desde a cordial “cervejinha” e do “jabá” nordestino, a linguagem brasileira criou o “cala-boca”, o “abre-porta”, o “molha-mão” e o infame “caixa 2”, que não foi inventado pelos políticos, mas pelos comerciantes para roubar o Fisco. Desde o Fisco português.
No México, a mordida é um clássico local, do guarda de trânsito a funcionários, políticos e empresas, metáfora de caráter selvagem e predador sobre pedaços de carne que a corrupção devora. É forte.
Enquanto na Inglaterra e nos Estados Unidos perjury , mentir no tribunal sob juramento, dá cadeia, no Brasil também se chama perjúrio, mas mente-se à vontade e não dá em nada. Não por acaso, lá também não há foro privilegiado e depois de uma segunda condenação é jaula direto. Linguagem é destino.
Fonte: “O Globo”, 15/02/2019