Quatro em cada cinco brasileiros estão insatisfeitos com a democracia no país segundo pesquisa do Pew Research Center recém-divulgada com base em dados coletados entre maio e agosto de 2018.
Para além dos fatores conhecidos que influenciam a forma de avaliação da democracia —frustração econômica e percepção dos cidadãos quanto à prevalência de corrupção ou injustiças—, a coalizão governativa importa, não só quem ganhou as eleições. Essa conclusão de um estudo de Singh Shane e J Thorton ajuda a explicar a persistência do mau desempenho relativo do Brasil nas avaliações (mesmo quando a popularidade presidencial está alta).
Em “Strange Bedfellows: Coalition Make-up and Perceptions of Democratic Performance Among Electoral Winners”, Electoral Studies, 2016 (Estranhos amantes: composição da coalizão e percepção de desempenho da democracia entre eleitores vitoriosos), os autores utilizam microdados de pesquisas, realizadas entre 1996-2011, com 18 mil eleitores de 46 países.
O estudo mostra que a avaliação da democracia é melhor entre os eleitores cujos candidatos ganharam as eleições e, portanto, estão no poder. Afinal, ganhar eleições produz um senso de eficácia política, de que o voto teve impacto.
Leia mais de Marcus André Melo
A armadilha da culpa
Quem está sob ataque: o STF ou alguns ministros?
Democracia e Orçamento
Mas os parceiros da coalizão também importam porque, se há o que os autores chamam de “ambivalência de coalizão” (coalition ambivalence) —ou seja, se os parceiros de coalizão são rejeitados—, a avaliação do governo e do funcionamento da democracia piora. Governar com más companhias cobra um preço.
Quanto maior a distância ideológica entre o chefe do Executivo e os partidos de sua coalizão de apoio, maior será a ambivalência.
Para um governante de centro-esquerda há assim um custo em governar com parceiros do extremo ideológico oposto, como tornou-se padrão no Brasil durante os governos do PT. A cooptação generalizada produz cinismo cívico, que foi instrumental para a ascensão de Bolsonaro.
Isso poderia explicar sua relutância em montar a base aliada com parceiros que foram objeto de dura rejeição durante a campanha. Governar sem aliados, no entanto, tem custos para a implementação da agenda do governo, criando-se uma tensão estrutural.
Os autores argumentam que o efeito da ambivalência sobre a avaliação de governos e do funcionamento da democracia vale tanto para quem votou estrategicamente (o voto útil) quanto para os que votaram sinceramente. A ascensão de Bolsonaro deve-se ao eleitores estratégicos, e é nele que o sentimento de malaise é maior.
Assim teremos cidadãos permanentemente insatisfeitos, e a malaise política dificilmente irá se dissipar.
Fonte: “Folha de S. Paulo” 06/05/2019