Esta é uma réplica pela metade. Afinal, concordamos com parte dos argumentos de Nelson Barbosa. Para começo de conversa, após tanto tempo em que trocamos ideias diariamente sobre economia, a genealogia dos argumentos tornou-se inviável. Aceitamos, pois, de bom grado, a denominação de Lisbossôa.
Barbosa reclama da nossa crítica ao argumento que classificamos como moto-perpétuo, defendido por alguns heterodoxos: o aumento do gasto público resultaria em crescimento ainda maior da renda e da arrecadação de tributos.
O resultado seria a queda do endividamento como proporção da renda nacional. Bastaria gastar mais para ficar mais rico.
Barbosa não discorda de que alguns heterodoxos defendem essa tese. Também não discorda de que ele mesmo utilizou esse argumento. Afirma, porém, que ele apenas defendeu a validade da tese para o período entre 2006 e 2010.
Nosso debate está bem circunscrito. Barbosa e Lisbossôa concordam que, em casos bem específicos, o aumento do endividamento produzido pelo aumento do gasto público pode ser autofinanciável.
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Barbosa, inclusive, cita o mesmo trabalho de DeLong e Summers, mencionado no nosso artigo, que delimita circunstâncias para que esse processo possa acontecer. Vamos, então, às nossas duas divergências em relação a Barbosa.
Primeira divergência. Entre as circunstâncias apontadas pelo trabalho de DeLong e Summers encontram-se baixa inflação e baixa taxa de juros real, que deve ser próxima da taxa de crescimento econômico, condição decorrente da equação 7 no texto dos dois autores. Esse, porém, não foi o caso do Brasil nas últimas décadas, incluindo o período analisado por Barbosa.
Entre 2006 e 2010, a taxa de juros real que incide sobre a dívida pública foi de 6,9%, ao passo que a economia brasileira cresceu 4,5%, uma diferença de 2,4 pontos porcentuais. Não conhecemos evidência na literatura acadêmica de estimativas de um impacto do gasto público sobre o crescimento da renda que compense um diferencial tão elevado entre os juros reais e o crescimento econômico.
Essa diferença deveria ter sido menor do que 0,5 ponto porcentual naquele período, e não 2,4, para que a economia brasileira atendesse às condições do moto-perpétuo.
Muitos anos de contração fiscal seriam necessários para que os juros reais de equilíbrio caíssem o suficiente para que houvesse alguma possibilidade do gasto público se tornar autofinanciável.
Segunda divergência. Barbosa apenas constata que, naquele período, a dívida pública como proporção do PIB caiu em meio ao crescimento da economia e do gasto público. Isso basta para que ele conclua que foi o aumento do gasto que levou ao crescimento.
Barbosa repete o erro comum de vários heterodoxos no Brasil. Infere uma causalidade a partir da ocorrência simultânea de dois fenômenos. Carecas usualmente não têm pentes, o que não significa que pentear os cabelos impede a sua queda. As técnicas da estatística são úteis precisamente para tentar identificar se existem evidências de uma relação de causalidade.
Deve-se verificar se outros fatores não teriam sido os responsáveis pelos fenômenos observados, como, por exemplo, o significativo crescimento da economia mundial naquele período.
Há mais. Diversos gastos públicos são indexados ao PIB, como saúde, educação e boa parte da previdência. Quanto mais cresce a economia, mais esses gastos aumentam. Trata-se de uma causalidade inversa à proposta por Barbosa.
A estabilidade é uma agenda de muitos governos e requer anos de política econômica consistente. A ilusão de que nossa economia atendia à condição do moto-perpétuo foi parte da inflexão na política econômica ocorrida no segundo governo Lula, que ajudou a interromper o longo processo de ajuste macroeconômico iniciado no Plano Real.
Aguardamos o artigo acadêmico de Barbosa que mostre que o crescimento econômico da segunda metade dos anos 2000 decorreu da expansão dos gastos públicos.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 10/04/2018