A crise da Grécia estourou em 2009. Causas conhecidas: farra geral com o dinheiro público, gastos reais com o funcionalismo dobrando em menos de dez anos, aposentadorias entre as mais generosas e precoces da Europa, serviços públicos precários e economia travada por várias restrições ao investimento privado, incluindo uma legislação trabalhista que encarecia excessivamente o custo de produção. Com uma agravante: descobriu-se naquele ano que os governos gregos há anos maquiavam e escondiam os números das contas públicas.
Em resumo: durante os anos de bonança global do início dos anos 2000, a Grécia recebeu forte ajuda econômica da União Europeia, contou com notável expansão do turismo, tudo resultando em algum crescimento e ganhos de arrecadação. Quando veio a crise global, a casa caiu. Os gregos estavam gastando um dinheiro que, de fato, não tinham. Quando as receitas privadas e públicas desabaram, o buraco apareceu.
A dívida verdadeira passava dos 100% do PIB e, ao final de 2009, estava claro que o governo não conseguiria pagar seus compromissos com instituições internacionais e bancos, locais e estrangeiros. Única saída: apelar para a União Europeia e FMI.
Seguiu-se um período tumultuado, pois os pacotes de ajuda exigiam as tradicionais medidas de ajuste das contas públicas — corte de gastos, reforma da Previdência, privatizações, corte de salários e benefícios do funcionalismo — todas dependendo de aprovação no Parlamento.
Foi assim: governos acertavam acordos com a UE e FMI, que não passavam no Parlamento. Caía o primeiro-ministro, nova formação de governo e assim foi.
Sem programa e acabando o dinheiro, o ajuste começou a ser feito da pior maneira: atrasos e até suspensão de aposentadorias e salários, colapso de serviços públicos e, finalmente, fechamento dos bancos, permitindo-se apenas pequenos saques nos caixas automáticos.
Para encurtar a história: nessa confusão toda, a esquerda chegou ao governo, com o primeiro-ministro Alex Tsipras fazendo campanha contra os pacotes, contra a UE, o FMI, os bancos, capitalismo, o diabo.
Para fazer o quê? A única coisa que restava para evitar o caos: assinou acordos com os credores em troca de pacotes de ajuste. Claro que a implementação foi difícil, acordos foram descumpridos e renegociados, mas a coisa andou.
Fizeram algumas privatizações, aplicaram sucessivos cortes de salários do funcionalismo, eliminaram várias vantagens. E sucessivas reformas da Previdência, cortando benefícios, elevando tempo de contribuição e a idade mínima — para 65 anos, claro.
A situação se estabilizou, mas o problema não terminou. Ainda agora, o governo grego está negociando novos empréstimos — em troca de novos ajustes.
Por exemplo: UE e FMI querem que o governo economize com aposentadorias e pensões um valor equivalente a 1% do PIB ao ano.
No Brasil, a proposta de reforma da Previdência apresentada pelo governo previa a economia de R$ 800 bilhões em dez anos, ou 80 bi/ano, em valores constantes. O PIB brasileiro foi de R$ 6,3 trilhões no ano passado, e 1% disso daria R$ 63 bilhões.
Portanto, a proposta original do ministro Henrique Meirelles previa economia maior do que a exigida dos gregos hoje. Mas não se pode esquecer que os gregos estão já na quarta reforma.
Além disso, o relator da proposta, deputado Arthur Maia, “amenizou” o projeto. Assim, a economia prevista no texto que começou a ser debatido ontem na Câmara caiu para R$ 480 bilhões — ou R$ 48 bilhões/ano, ou 0,75% do PIB do ano passado. Portanto, um esforço menor do que o negociado na quarta reforma grega.
Tudo isso para dizer três coisas. A primeira: o déficit nas contas públicas pode ser escondido, amenizado com aumentos de impostos e dinheiro tomado emprestado — como se fez no Brasil — mas um dia o desastre aparece na forma de uma dívida insustentável. Desastre é o governo deixar de pagar contas, salários e aposentarias.
A segunda coisa: a reforma previdenciária em debate aqui não é draconiana, nem excessivamente dura. Por exemplo: fixa a idade mínima de aposentadoria em 65 anos para homens, mas com as regras de transição partindo de 55 anos e essa idade mínima aumentando um ano a cada dois anos, só se converge para os 65 anos em 2038 (e 2036 para 62 anos das mulheres).
Considerando que no mundo todo, até na Grécia, a idade mínima já é de 65 anos, não se pode dizer que a regra brasileira é dura.
E isso ocorre porque a situação das contas públicas se deteriorou muito mas ainda não chegou à beira do colapso ou do calote. Assim, é possível fazer uma reforma mais arrumada. Isso feito, o país dá o sinal de que está no rumo do ajuste. Sem a reforma, sem esse sinal, a hipótese do colapso torna-se dominante e as consequências danosas aparecem antes.
O que nos leva à terceira coisa a dizer: “amenizar” a reforma hoje significa contratar uma nova reforma em alguns anos.
Fonte: “O Globo”, 04/05/2017
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