Em entrevista ao Instituto Millenium, o analista político e especialista do Imil Bruno Garschagen analisa os impactos do julgamento do mensalão, esquema de compra de apoio dos parlamentares no governo do ex-presidente Lula, para as instituições e para a sociedade brasileira. Independentemente da condenação ou absolvição dos réus, Garschagen não tem uma boa expectativa com relação ao resultado. “O julgamento do mensalão vai arranhar a imagem da Suprema Corte de forma mais ou menos grave”, afirma.
Leia a entrevista:
Instituto Millenium: Muitos cientistas sociais e jornalistas afirmaram que o julgamento do mensalão é histórico? O que o torna um marco?
Bruno Garschagen: Muito dessa opinião está baseada na quantidade de réus do processo, são 38 ao todo. E, todos esses réus estão representando ou em algum momento representaram um mesmo grupo político. A sensação de que se trata de um julgamento histórico é fruto de um pensamento de que até a elite política brasileira responde pelos seus atos e não só os criminosos comuns. Se é que é sensato estabelecer uma hierarquia social entre os criminosos.
De qualquer forma, só o resultado final desse processo pode mostrar o quanto histórico esse julgamento será. Se as provas contidas nos autos não forem suficientemente contundes para demonstrar a culpabilidade dos réus, pelo menos daqueles mais famosos, haverá uma natural frustração da sociedade e também a sensação de que político importante não é punido por crimes que supostamente cometeram. Se os réus não forem condenados, ao invés de um marco positivo haverá um marco negativo na história do Supremo Tribunal Federal (STF). Mesmo que a decisão dos juristas de absolver estes réus esteja tecnicamente fundamentada e, por tanto, juridicamente correta.
Imil: Qual a importância do julgamento para o fortalecimento da democracia e das instituições brasileiras?
Garschagen: Em tese, julgamentos de representantes da elite política servem para mostrar que as instituições funcionam. O problema é que o julgamento do mensalão é um caso a parte por tudo o que foi ventilado na imprensa desde o início do processo, passando pela pressão sobre o ministro Ricardo Lewandowski para a entrega do voto revisor no prazo e a suspeita que foi levantada sobre a suposta tentativa de adiar o início do julgamento. Depois, vieram os questionamentos recentes com relação a participação do ministro Toffoli pelo fato de ele ter sido advogado geral da união durante o governo Lula, por ter trabalhado como advogado do PT e de José Dirceu, e também pelo fato da mulher dele ter trabalhado para dois outros réus do processo.
Já há um clima de desconfiança sobre a atuação do STF. Independentemente do resultado final, o julgamento do mensalão vai arranhar a imagem da Suprema Corte de forma mais ou menos grave. Se os ministros condenarem os réus, o STF será acusado de ter feito um julgamento político. Não tenho uma perspectiva muito otimista sobre as conseqüências desse julgamento para o fortalecimento das instituições nacionais como um todo. Embora, seja sensato reconhecer que a condenação dos réus mais famosos terá um efeito muito positivo perante a opinião pública. Resta saber se o efeito vai ser passageiro ou se terá impacto positivo para o fortalecimento do próprio STF e de outras instituições como a Procuradoria Geral da União.
Imil: Qual o impacto que a absolvição dos réus pode trazer para a sociedade brasileira?
Garschagen: O primeiro impacto da absolvição será a condenação dos ministros e do STF pela opinião pública através da imprensa. Mesmo que esses ministros tenham baseado suas decisões em critérios técnicos. Isso seria extremamente danoso para a imagem, para o prestigio e para a confiança do STF perante os brasileiros.
Um processo serve para definir quem é responsável ou para apontar se houve crime. Se o STF absolver os réus, contra toda a expectativa que já foi criada em torno deles, passará uma impressão muito ruim para a sociedade. Imagine o impacto que isso terá para as pessoas honestas e, muito mais, o impacto para as pessoas que são desonestas. Além do arranhão na imagem do STF, vai ser um incentivo extremamente danoso principalmente dentro da classe política.
Imil: Do ponto de vista jurídico, o senhor acredita que o julgamento está acontecendo no momento adequado?
Garschagen: Dado o volume desse processo, são 38 réus, 234 volumes, mais de 50 mil páginas, e considerando que o STF tem 11 ministros e não tem só esse julgamento para cuidar, considerando isso não vejo nem um problema jurídico em termos do momento certo para acontecer esse processo. Se havia prazos para serem cumpridos e esses prazos foram cumpridos acho que está acontecendo sim no momento certo. Acho que seis anos, considerando outros julgamentos com questões muitos mais simples e que demoram 15, 20, 30 anos, é um tempo razoável.
Imil: O fato de o julgamento estar acontecendo próximo a realização das eleições
municipais pode influenciar o resultado do pleito? O brasileiro vai votar com mais cautela?
Garschagen: Se os réus mais representativos em termos de vinculação com o PT forem absolvidos, o PT certamente vai usar sua máquina para legitimar a manutenção e ampliação do partido no poder. Vão usar isso para garantir a reeleição de membros do partido que estão concorrendo a reeleição e também para garantir a eleição daqueles candidatos que estão concorrendo pela primeira vez. Não tenho dúvida de que o PT saberá fazer um uso político muito eficiente de uma eventual absolvição, inclusive para soterrar o pouco que ainda existe da oposição.
Caso os réus mais famosos sejam condenados, a oposição teria uma arma muito poderosa para denunciar a real natureza do partido no poder e de seus aliados, se apresentando como uma alternativa política. Mas, duvido que isso aconteça. O pouco que existe de oposição já demonstrou que não tem nenhuma competência para exercer esse papel. O mais provável é que o PT, mesmo com a condenação, consiga se apresentar como uma espécie de paladino da justiça. O partido pode se apresentar mais uma vez como vítima da mídia ou de uma certa elite, como se o próprio partido não fizesse parte dela e não controlasse uma boa parte das demais elites.
Imil: O país questiona muito o gasto e a atenção que o julgamento recebe da imprensa, quando outras questões importantes para o desenvolvimento do país podem estar sendo deixadas de lado. O que o brasileiro precisa entender sobre a importância e a natureza destes processos?
Garschagen: Sobre a questão da imprensa, acho que é um assunto que precisa ser valorizado do ponto de vista editorial até para que não haja nenhum tipo de manobra nos bastidores. A crítica de que a imprensa está dando muita atenção ao assunto não é uma crítica muito inteligente.
Com relação aos gastos, todo o serviço público é oneroso porque todo serviço público foi construído para ser o contrário de eficiente e econômico. A burocracia instrumental administrativa e as leis que permitem que esse monstro cresça e engorde criam o ambiente perfeito para uma máquina administrativa que atua em desfavor da população brasileira.
A questão vai mais além. O brasileiro precisa saber que cada um de nós somos mais importante do que o governo e do que os políticos que representam parcelas mais ou menos organizadas da sociedade. Me parece que o brasileiro médio e muitos das nossas elites não têm consciência disso, isso faz com que eles atribuam muitas responsabilidades que deveriam ser adotadas por cada um de nós ao governo. Somos nós que produzimos a riqueza que o estado depois espolia de forma legal para financiar tudo aquilo que não funciona em termos de serviço público.
No caso da justiça, há uma conjunção de fatores que passa pela quantidade de juízes, pela qualidade e agilidade do trabalho deles, pela legislação e pela atuação dos advogados, que contribuem para que a ela funcione ou não em determinados julgamentos. É preciso que o brasileiro entenda que o papel das instituições é fundamental porque elas têm a participação direita da sociedade.
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