Foi desperdício de tempo e energia discutir a possibilidade de redução da meta para a inflação nos últimos anos. De 2010 a 2016 a inflação média atingiu 6,8% ao ano, bastante superior à meta de 4,5%, registrando seu menor valor, 5,8%, em 2012, e o maior, 10,7%, em 2015. Nesse contexto, a única discussão relevante era como fazer a inflação retornar à meta.
Esse desafio parece superado, como apontado por expectativas inflacionárias próximas à meta para 2017, bem como para os próximos anos, não apenas pelo que sugere a pesquisa do Banco Central (Focus) mas também pela diferença das taxas de juros nominal (NTN-F) e real (NTN-B), a chamada “inflação implícita”.
Voltam, portanto, à mesa a possibilidade e a conveniência de redução da meta para a inflação.
Vejo com bons olhos a iniciativa, mas há quem não concorde.
Em geral, os que se opõem à redução da meta preocupam-se com a possibilidade de que a busca por uma inflação menor (digamos, 4%) possa levar a taxas de juros mais elevadas do que as que vigorariam caso se mantivesse o objetivo em 4,5%.
Não me parece ser esse o caso, desde que: a) o Banco Central consiga ancorar as expectativas ao redor da meta, qualquer que seja essa; b) expectativas sobre a inflação futura afetem a inflação corrente; e c) o BC siga uma regra de política monetária estabelecendo reação mais que proporcional das taxas de juros com respeito a alterações da inflação esperada (isto é, que o BC obedeça ao que se convencionou chamar de “princípio de Taylor” ).
Assim, caso o Banco Central seja capaz de ancorar as expectativas, uma redução da meta à frente implicaria também menores expectativas de inflação para o período em questão. Por outro lado, ao fixar preços e salários, empresas e trabalhadores embutem nestes as expectativas acerca do comportamento dos preços, para se protegerem da corrosão de sua renda pela inflação futura.
Desse modo, menores expectativas hoje tendem a se traduzir em reajustes mais modestos, isto é, a inflação corrente se reduz em comparação a um cenário em que a meta permanecesse inalterada.
Nesse caso, como tanto a inflação corrente quanto a esperada caem, abre-se espaço para corte adicional da taxa de juros. Em particular, se o BC segue o princípio de Taylor acima definido, a queda da inflação deve levar à redução mais do que proporcional da taxa de juros, ou seja, o juro real (Selic menos inflação esperada) no curto prazo cai, estimulando a economia por algum tempo, antes de retornar a seus níveis históricos. Ao final do processo, a taxa Selic cai permanentemente, refletindo a meta mais baixa.
Sob essas condições, portanto, diz a boa teoria que uma menor meta de inflação não apenas implicaria juros mais baixos quando a nova meta passasse a vigorar como haveria ainda um modesto estímulo em razão de uma queda temporária do juro real.
Isto dito, é necessário saber se as condições a, b e c são observadas. Tenho poucas dúvidas sobre a aderência da atual diretoria do BC ao princípio de Taylor (c), bem como sobre a relevância das expectativas para a inflação corrente (b).
O essencial, portanto, é saber se a capacidade de ancoragem do BC com relação às expectativas permanecerá. Há razões para crer que sim, mas a falta de espaço me obriga a finalizar o assunto apenas na próxima semana.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 1º março de 2017.
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