Advogada americana diz que é preciso pressionar o governo para liberar documentos secretos
Por Leandro Loyola
A lei de acesso à informação que tramita no Senado brasileiro provocou problemas entre o governo e o Congresso por supostamente mexer em questões delicadas do passado. Pelo que diz a advogada americana Miriam Nisbet, isso é só o começo da briga. Nisbet é a diretora do Gabinete de Serviços de Informação do Governo, órgão que fiscaliza se o governo cumpre o Freedom of Information Act (Lei de Liberdade de Informação). A lei, de 1966, regula o acesso dos cidadãos a informações públicas. “Alguém precisa olhar a lei de tempos em tempos para ver o que não está funcionando e aperfeiçoar”, afirma Nisbet. Ela esteve em Brasília na semana passada para participar de um seminário da Controladoria-Geral da União (CGU) sobre a Lei de Acesso à Informação no Brasil.
Quem é:
Advogada, americana, 62 anos, casada
O que faz:
É diretora do Gabinete de Serviços de Informação do Governo
Época – Qual é o papel de seu departamento no governo?
Miriam Nisbet – Nós temos dois objetivos. Um é resolver disputas (em torno de pedidos com base na Lei de Liberdade de Informação) de pessoas que vêm a nós. A outra parte do que fazemos é checar se há pontos na lei que devem ser revistos, verificar como são as políticas e práticas das agências e fazer recomendações ao Congresso e ao presidente para melhorar a lei.
Época – Governos tendem a ser fechados e a manter segredos. Como é fiscalizar a transparência de um governo tão grande e poderoso como o americano?
Nisbet – A boa notícia é que nós temos nossa lei há muito tempo. É algo estabelecido, bem conhecido. Quando falamos na Lei de Liberdade de Informação, todo mundo conhece. As pessoas podem não saber exatamente como funciona, mas está lá e é parte do modo como o governo trabalha. Acho que as pessoas no governo que produzem documentos não pensam na divulgação. Elas pensam: “Ah, essas opiniões são só minhas”. Acho que, particularmente com o programa Open Government que o presidente (Barack) Obama começou, as pessoas estão pensando mais: “Por que eu simplesmente não divulgo isso? Vou tirar isso daqui!”. Está mudando uma cultura. Isso leva tempo, mas posso ver um avanço. Embora lento. Levou anos para a Lei de Liberdade de Informação se tornar parte da cultura política.
Época – A Lei de Liberdade de Informação é de 1966, mas só passou a funcionar a partir de 1974. Por quê?
Nisbet – Quando passou em 1966, a lei não fez muito. O escândalo Watergate (que obrigou o presidente Richard Nixon a renunciar após o jornal Washington Post mostrar que Nixon mandou espionar adversários políticos) realmente colocou o governo sob pressão. Watergate colocou as pessoas nisso. As pessoas estavam tão fartas, tão furiosas com os desmandos do governo que a pressão funcionou e fez a lei funcionar de verdade. De tempos em tempos, o Congresso volta para mudar coisas, para fazer (a lei) funcionar melhor. Outra coisa importante para nossas mudanças ao longo dos anos foi o envolvimento dos jornalistas, da sociedade e a constante fiscalização do Congresso. O Congresso regularmente faz audiências para saber como as coisas estão indo. Nossa experiência mostra que alguém precisa voltar e olhar a lei de tempos em tempos para ver o que não está funcionando e aperfeiçoar. Estou neste cargo há dois anos e já fui testemunhar diante do Congresso quatro vezes. Eles realmente querem saber como as coisas estão indo. Pressão é bom.
Época – Por que a senhora diz que é importante convencer e treinar a burocracia?
Nisbet – Você tem de dar as ferramentas. Eu vou lhe dar um exemplo. É um exemplo muito simples, então, por favor, não pense que estou lhe ofendendo. Isso realmente aconteceu. No começo, após 1974, as agências tinham de sentar e revisar documentos. Algumas agências usavam giletes para cortar palavras (das páginas). Eles não sabiam como fazer de outro jeito. Foi quando o FBI (departamento de investigação federal) apareceu com marcadores especiais, que podiam ser usados para cobrir pedaços de texto. Nas cópias, os trechos indesejados apareciam em preto. Mas o documento original ficava intacto. Então, todo mundo das outras agências copiou. Isso foi em 1974!
Época – A administração Obama lhe parece mais transparente que a administração de George W. Bush ou isso é um mito?
Nisbet – Eu acho que está se tornando mais transparente. Havia muitas críticas à administração Bush em relação ao aumento do sigilo. Há pessoas que podem reclamar que esta administração está como a anterior. Mas ter um presidente cujo primeiro pronunciamento foi um recado direto ao governo para fazer a lei funcionar melhor, aumentar a abertura e a transparência e participação pública é importante. É uma demonstração de liderança. O comando tem de vir de cima. Contudo, como governo, nós provavelmente não damos todos os recursos que deveríamos dar.
Época– Qual é a maior dificuldade para implementar uma lei de acesso à informação e fazer o governo cumpri-la?
Nisbet – O mais difícil é mudar a cultura. É convencer os funcionários públicos a não pensar que a informação é deles, que pertence a eles. A informação pertence às pessoas que vivem no país, pertence ao público. Há boas razões para manter algumas informações em sigilo. Mas, sem uma boa razão, divulgue.
Época – No Brasil a lei permite que alguns documentos sejam mantidos eternamente sob sigilo. É possível fazer isso nos EUA?
Nisbet – A ordem é manter documentos em sigilo apenas pelo prazo estritamente necessário. Liberar o mais rápido possível. Certamente existe um pequeno número (de documentos) que pode ser mantido em sigilo por um longo tempo. Mas não é para isso que nós trabalhamos.
Época – São recorrentes as disputas para obrigar a Agência Central de Inteligência (CIA) a liberar documentos. É dela a maior resistência para liberar documentos?
Nisbet – Nós temos um modo muito sério de liberar documentos. Quando um documento é solicitado e a resposta é que não pode ser liberado, há uma série de formas de o solicitante recorrer. O problema, é claro, é que há muita informação secreta. Mas não é apenas o problema com a CIA. Muitas agências mantêm informações secretas. A grande questão no nosso governo é tentar reduzir o número de documentos secretos, pois custa caro proteger informação que não tem de ser absolutamente secreta. Você tem de ter uma tranca na porta, uma senha da fechadura. É mais caro.
Fonte: revista Época
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