Relator da medida provisória enviada pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso para a privatização da Eletrobras, o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) avalia trocar o modelo de privatização do controle da holding do setor elétrico pelo fatiamento da estatal, com sua venda em partes ou mesmo em bloco. É a receita perfeita para atrasar ainda mais uma operação que já não conta com muita simpatia no Congresso.
Para ganhar tempo, o projeto deveria ser aprovado sem alteração: mantendo a venda da empresa numa operação de capitalização da companhia, em que a União não subscreverá sua parte do aumento de capital, diluindo no mercado o controle acionário entre grupos privados. As duas ideias aventadas pelo relator alteram esse modelo. A primeira prevê que subsidiárias como Furnas, Eletronorte ou Chesf sejam vendidas separadamente. A outra sugestão é privatizar a empresa toda, sem preservar nenhuma participação do Estado.
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Ambas são problemáticas. Nascimento argumenta que a venda em fatias a “investidores estratégicos” arrecadará centenas de bilhões de reais. Técnicos do setor discordam, pois consideram mais atraente uma holding com seus ativos. Na segunda alternativa, o problema seria outro. De acordo com o professor da UFRJ Nivaldo de Castro, apenas estatais chinesas estariam em condição de encarar o negócio no atual cenário, e a venda em bloco criaria inevitavelmente um problema de concentração de mercado.
Tal questão terá de ser enfrentada qualquer que seja o modelo adotado. De acordo com a economista Elena Landau, que já presidiu o Conselho de Administração da Eletrobras, é fundamental garantir que, depois da venda, seja implementada uma regulação robusta do setor, capaz de fomentar a concorrência. É a isso que o Congresso deveria dedicar energia, em vez de fazer mudanças radicais no projeto.
O relator, na verdade, cria uma confusão desnecessária, que só favorece os interessados em que não haja privatização nenhuma. Já existe um modelo definido — semelhante ao usado pela Petrobras na venda da BR Distribuidora —, e o BNDES realiza estudos sobre a operação. Não faz sentido mudar de rumo a esta altura. Trata-se de uma privatização-chave, pois a empresa precisa fazer investimentos crescentes, impossíveis se mantida sob controle do Estado. O plano estratégico para os próximos 15 anos estima serem necessários R$ 6 bilhões anuais. Com a privatização, eles dobrariam para R$ 12 bilhões.
A MP de Bolsonaro mantém o modelo original do projeto de 2018 do governo Michel Temer e cria uma estatal para participar de Itaipu e controlar as usinas nucleares, que não podem ser privatizadas. Do total arrecadado, R$ 25 bilhões iriam para o Tesouro. Igual quantia se destinaria a reduzir o valor da conta de luz. Para vencer resistências no Congresso, é garantida a transferência, por dez anos, de R$ 8,75 bilhões para Amazônia e bacias do Rio São Francisco e outras da região de Furnas. O projeto já avançou muito para recomeçar do zero. As mudanças sugeridas pelo relator devem ser esquecidas.
Fonte: “O Globo”, 29/03/2021
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