Por Edmar Bacha e Albert Fishlow*
Em 10 e 11 de abril, terá lugar uma nova Cúpula das Américas no Panamá. Como nações líderes no continente americano, Brasil e Estados Unidos deveriam aproveitar a oportunidade para relançar a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), um projeto importante que, infelizmente, foi posto de lado há dez anos.
Dissipou-se o que antes parecia ser um momento para Barack Obama desfrutar do crédito da abertura dos EUA para Cuba e da nacionalização de imigrantes ilegais. Em seu lugar, o que se espera é uma ampla condenação latino-americana da política dos Estados Unidos em relação à Venezuela, provendo ainda outra oportunidade para a China oferecer um resgate financeiro regional. O Brasil, por seu lado, se vê mergulhado numa recessão econômica, quando o governo Dilma Rousseff adota políticas para reduzir os déficits fiscal e em conta corrente. Há também o escândalo da Petrobras, que erode o apoio politico e popular da presidente, após sua apertada reeleição no fim do ano passado.
Barack Obama e Dilma Rousseff têm um encontro bilateral marcado durante a cúpula. Mas pouco se espera que aconteça — exceto, talvez, uma reafirmação das diferenças recentes sobre as ações de espionagem dos EUA reveladas por Edward Snowden. Isso levou a um adiamento da visita oficial de Dilma Rousseff aos EUA, e representou um momento difícil nas relações bilaterais. De fato, foi a Saab, e não a Boeing, que pouco depois recebeu o contrato de US$ 4,5 bilhões para a compra de novas aeronaves militares pelo Brasil.
[su_quote]Brasil e Estados Unidos deveriam ativamente reabrir a busca de um acordo de livre comércio nas Américas[/su_quote]
Há alguns sinais de que as atitudes estão mudando. A Casa Branca recentemente renovou o convite para Dilma Rousseff fazer uma visita oficial no fim deste ano ou no próximo. Conversas entre os dois ministros do Comércio nos últimos meses tiveram resultados positivos, na direção de ampliar o comércio entre os dois países, ao invés de reforçar sentimentos protecionistas. Há alguns meses, finalmente conseguiu-se um acordo sobre a disputa na Organização Mundial do Comércio em relação ao algodão, que já durava uma década. Outras áreas de interesse educacional e científico parecem também promissoras.
Isso é muito pouco face aos desafios que o hemisfério enfrenta. Brasil e Estados Unidos deveriam ativamente reabrir a busca de um acordo de livre comércio nas Américas. O último esforço nessa direção foi vitimado pelo auge das commodities e pelo crescimento de sentimentos nacionalistas no início da década. O Mercosul tornou-se o foco brasileiro para qualquer comércio que pudesse ocorrer, e os Estados Unidos optaram por fazer uma série de acordos bilaterais com 12 países latino-americanos fora do Mercosul.
Não vai haver uma repetição do forte aumento de preços de exportação da década passada. A globalização se tornou uma realidade, e o comércio dentro do Mercosul estagnou-se. Com a demanda doméstica contraída e uma taxa de câmbio mais realista, o Brasil tem agora tanto a necessidade como a oportunidade de sua indústria buscar alternativas no mercado internacional mais amplo. Isso é claramente o caso da indústria automobilística, que já se tornou menor do que a do México.
Hoje em dia, entre as nações desenvolvidas, os Estados Unidos têm vantagens sobre a Europa e o Japão. E com as dificuldades na Rússia e a desaceleração da China, a atração do Brics diminuiu, reduzindo a vantagem dos pactos Sul-Sul já assinados pelo Brasil.
Um enlace mais forte dentro do hemisfério aparece como uma nova direção para a liberalização global ocorrer. A Parceria Transpacífica — aparentemente perto de completar-se — e uma maior ligação com a União Europeia através da Parceria Transatlântica para o Comércio e o Investimento tornaram-se as principais áreas de negociação comercial dos EUA. Chile, Peru, Colômbia e México ganharão com a primeira; os países do Atlântico, não. Além de completar o esforço de 20 anos para estabelecer um acordo com a Europa, o Mercosul poderia beneficiar-se enormemente de uma relação comercial mais estreita com os EUA — como os países latino-americanos do Pacífico já o fizeram.
Desta vez, também, Cuba poderá ser explicitamente incluída como um ator que retorna dentro do hemisfério ampliado. O Brasil, com suas ligações políticas e investimentos portuários na ilha, poderá receber crédito pleno por essa reaproximação. Através de seu poder de atração, o Brasil deverá também ser capaz de trazer países mais reticentes como a Argentina e a Venezuela para dentro de um pacto hemisférico sem características imperialistas.
Aqui está uma oportunidade especial para o Brasil no meio de dificuldades continuadas na frente interna. Dilma Rousseff poderá mostrar que consegue patrocinar um projeto internacional de envergadura, com o potencial de reanimar o ânimo vital do empresariado e reacender o crescimento no país. Os EUA poderão apaziguar suas diferenças com a Venezuela, ampliar sua abertura em relação a Cuba e, finalmente, promover a integração do hemisfério numa área unificada de comércio livre.
*Albert Fishlow é professor emérito da Universidade de Columbia.
Fonte: O Globo, 4/4/2015
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