“A maioria de nós é saudável a maior parte do tempo, e a maior parte de nossos julgamentos e ações são apropriadas a maior parte do tempo. Navegamos o cotidiano permitindo que nossas impressões e sentimentos, a confiança que depositamos em nossas intuições e preferências nos guiem, o que geralmente é justificado pelas nossas experiências. Contudo, nem sempre isso é verdade. Exibimos essa confiança mesmo quando estamos errados, o que um observador independente é capaz de detectar com maior facilidade do que nós próprios.” O trecho é do livro do consagrado psicólogo e estudioso de economia comportamental Daniel Kahneman, Thinking, Fast and Slow.
“E se eu lhe dissesse que a totalidade de sua visão de mundo não tem qualquer relação com informação ou fatos? A política não é simplesmente matéria de julgamento. O posicionamento político de cada um provém de suas necessidades psicológicas. Indivíduos ansiosos devido à incerteza que os cerca serão atraídos por mensagens que oferecem a certeza.” A certeza tem um preço, como afirma o psicólogo Arie Kruglanski em vídeo recém-produzido pelo New York Times, intitulado, justamente, O Preço da Certeza. Em 1989, Kruglanski formulou o conceito de “necessidade cognitiva de encerramento”, comportamento enraizado em todos nós como mecanismo de defesa, de repúdio às incertezas, ainda que o preço a pagar por isso sejam escolhas erradas, que acabem, inclusive, por aumentar as mesmas incertezas que buscamos extirpar.
Não é de hoje que economia e psicologia se entrecruzam no fascinante campo da economia comportamental (“behavioral economics”). As teses, os conceitos, os experimentos empíricos desse riquíssimo campo de pesquisa acadêmica ajudam a explicar não apenas porque o ser humano nada tem de puramente racional, contradizendo alguns antigos preceitos dos modelos econômicos. O cruzamento interdisciplinar entre a economia como ciência social e a psicologia fornecem poderoso instrumental para entender a crescente polarização mundo afora e eleição americana adentro.
Em 29 de junho de 2016, escrevi artigo para este jornal intitulado Paradoxos da Globalização, em que discorri sobre a incerteza causada pela globalização. Em particular, salientei que, embora a globalização não tenha aumentado a desigualdade global, conforme atestam diversos estudos empíricos, ela contribuiu para o aumento do sentimento de exclusão relativa, isto é, da percepção de que ainda que os benefícios sejam identificáveis, alguns se beneficiaram mais do que outros. Os menos favorecidos, conforme atestam outros estudos de economia comportamental, importam-se mais com a sua posição relativa na distribuição de renda do que com eventuais melhorias absolutas em seu padrão de vida. O sentimento de exclusão relativa atiça a incerteza e a inquietude desse grupo, deflagrando a “necessidade cognitiva de encerramento”, o padrão de comportamento em que o mecanismo do pensamento rápido contido na parte mais primitiva do cérebro humano – o lagarto que vive em todos nós – tome decisões desconsiderando parte relevante do conjunto de informações disponíveis, algumas em contradição com a busca pela “certeza”.
Mundo marcado por essa busca incessante de certezas fáceis é mundo perigoso. Trata-se de mundo suscetível às mensagens isolacionistas e xenófobas de Donald Trump, de mundo que cede à tentação do populismo de extrema direita e de extrema esquerda. De mundo, enfim, que para de refletir com o mecanismo lento do cérebro, permitindo a ascensão dos lagartos. Esse mundo não mudará com o resultado das eleições americanas seja ele qual for. A polarização e o repúdio à globalização, o populismo, o protecionismo, as certezas fáceis cobrarão seu preço. Países avançados tenderão a se fechar, países de viés autoritário tornar-se-ão mais atraentes – a eleição americana, afinal, desvelou o fascínio pela Rússia de Putin. Ao final, teremos menos crescimento global, menos renda para distribuir mundo afora.
Diz Arie Kruglanski no fim do vídeo do New York Times: “Duvide de seu senso de virtude e justiça, de suas certezas. A alternativa é o abismo”. A alternativa é o abismo.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 09/11/2016.
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