A Lei de Licitações está com seus dias contados para realizar contratação de obras de infraestrutura. A pá de cal sobre a Lei 8.666, em vigor há 22 anos, foi lançada na semana passada, com a aprovação pelo Senado de uma medida provisória que estendeu aos projetos de infraestrutura o chamado Regime Diferenciado de Contração (RDC).
O texto, que agora aguarda apenas sanção da presidente Dilma Rousseff, libera a utilização do modelo simplificado de licitação para contratar qualquer tipo de obra de logística. Dilma apoia o RDC e, há anos, defende a sua adoção para todas as obras públicas.
A nova forma de contratação, porém, está longe de ser uma unanimidade. “Na realidade, o RDC vai contra toda a lógica de transparência que se busca na gestão pública. Vamos passar a contratar projetos complexos e caros, baseados em preços fechados e sem estudos”, diz Carlos Mingione, diretor do Sindicato da Arquitetura e da Engenharia Consultivas (Sinaenco).
Sem responsabilidade. Para o vice-presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR), Anderson Fioreti de Menezes, o modelo é uma forma de o governo se eximir de analisar o que será contratado. “O poder público abre mão de seu dever definir o que vai contratar e deixa essa função para a empresa, importando-se basicamente com o preço que vai pagar.”
A contratação de obras pelo RDC pode ser feita em várias modalidades, mas a que tem sido mais usual – e provoca mais polêmica – é a contratação global, na qual a empresa interessada em determinada obra fica responsável por executar desde os projetos básicos de engenharia do empreendimento, até a especificação de seus materiais e a execução da obra.
Trata-se de uma diferença crucial em relação à Lei de Licitações, na qual cabe ao governo contratar os estudos de engenharia, para depois licitá-lo, conforme as necessidades técnicas apontadas nesses projetos iniciais. Para críticos do RDC, o governo baixa a guarda e abre espaço para que as empreiteiras, em um momento em que deveria mostrar o contrário, por causa das revelações da Operação Lava Jato. “Um projeto bem feito é uma vacina para a corrupção. O que estamos prestes a ver é a abertura total para se fazer qualquer coisa”, diz Mingione, do Sinaenco.
Criado em outubro de 2011, o RDC tinha o propósito de acelerar a contratação de obras da Copa do Mundo e da Olimpíada de 2016. O que se viu em relação à Copa, de fato, é que diversos projetos atrasaram e muitos nem foram entregues até hoje.
Em 2012, o modelo passou a ser fortemente usado em obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O governo afirma que experiências em contratações de obras feitas pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e pela Infraero garantiram a contratação de uma obra mais barata e em menor tempo, porque etapas são eliminadas. Ao contrário do que ocorre com a 8.666, o RDC só exige avaliação de documentação da empresa que for vencedora da concorrência, em vez de checar a situação de todos os interessados.
Festa de aditivos
Em 2011, quando escândalos de corrupção envolvendo o Dnit e a Valec vieram à tona, a então ministra do Planejamento, Miriam Belchior, chegou a afirmar que o governo passaria a exigir a realização prévia de projetos executivos – e não apenas básicos – para contratação de obras, ou seja, haveria maior rigor no detalhamento técnico das obras, para evitar a festa de aditivos que tomava conta dos contratos. Não aconteceu.
“O que vemos hoje é exatamente o oposto. Estamos diante de um modelo que, na realidade, dificulta o trabalho de fiscalização”, diz Anderson Fioreti de Menezes, da CAU/BR.
O RDC enfrenta ainda resistência de auditores do Tribunal de Contas da União.
Fonte: O Estado de S.Paulo.
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