Todos os especialistas sabem que temos um precário modelo de tributação do consumo – possivelmente o mais complexo do mundo. Nele, têm especial destaque as distorções provocadas pela guerra fiscal do ICMS, que decorre de uma combinação de fatores que vão desde a renúncia do governo federal à indispensável tarefa de coordenação de um imposto de vocação nacional até o fracasso das políticas de desenvolvimento regional, daí passando à obsolescência das sanções às entidades que concedem benefícios em desacordo com as regras estabelecidas pela Lei Complementar n.º 24, de 1975.
Ao exacerbar-se, a guerra fiscal gerou um confronto aberto entre os que não admitem a competição fiscal lícita e os que proclamam a necessidade de concessão de benefícios fiscais, sem nenhuma restrição. As intervenções do Judiciário, invariavelmente declarando a inconstitucionalidade da guerra fiscal, foram sempre respondidas com mudanças formais na lei impugnada, preservados os meios para dar curso às concessões ilícitas. Para reverter esse quadro, o governo federal apresentou vários projetos.
A guerra dos portos, inacreditáveis benefícios à importação, foi enfrentada pela Resolução n.º 13, do Senado. Essa via, contudo, afrontou o preceito constitucional que remete à lei complementar (art. 155, § 2.º, inciso XII, g) o disciplinamento de concessões e revogações de benefícios no âmbito do ICMS. Ademais, o recurso à resolução representou flagrante desvio de finalidade da competência do Senado, pois a fixação das alíquotas interestaduais do ICMS pretende tão somente proceder à partilha horizontal de rendas.
Ao reduzir para 4% as alíquotas das operações interestaduais subsequentes à importação de mercadorias, a resolução admitiu casuísticas exceções, a exemplo das mercadorias com conteúdo local superior a 40%, as sem similar nacional, as destinadas às indústrias de automação, informática e TV digital, as importadas pela Zona Franca de Manaus e o gás natural importado. A indeterminação dos conceitos e as extravagâncias dos requisitos estão promovendo um festival de liminares, sem falar das acumulações de créditos de dificílima liquidez.
Para os demais casos de guerra fiscal, foram propostas medidas que incluem um projeto de lei complementar (PLC) abrindo exceções ao requisito da unanimidade, a “uniformização” das alíquotas interestaduais do ICMS e a criação de fundos para compensar perdas dos entes federativos.
O PLC pretende sustar, até 31/12, a exigência de unanimidade nas decisões dos secretários da Fazenda, reduzindo o quórum para 3/5, para permitir a convalidação de benefícios concedidos ilegalmente, desconhecendo completamente a vedação constitucional de a União conceder isenções de tributos estaduais (art. 151, inciso III) e o requisito de aprovação por lei estadual específica que regule exclusivamente a matéria (art. 150, § 6.º). A regra, de resto, inviabilizará investimentos futuros, que não lograrão concorrer com empreendimentos incentivados.
O projeto de resolução visando a “uniformizar” as alíquotas interestaduais, em relação à matéria, é o mais complexo modelo já concebido pela mente humana. Afora o longo processo de redução das alíquotas, o projeto é pródigo em exceções: Zona Franca de Manaus, áreas de livre comércio, gás natural, transporte aéreo, produtos agropecuários, situações alcançadas pela malsinada Resolução n.º 13 e mercadorias sujeitas a um enigmático “processo produtivo básico” a ser aprovado pela União (sic). Assim, as duas alíquotas atuais se converterão em várias, a pretexto de “uniformização”!
Isso posto, a guerra fiscal continuará, por ausência de sanções legais, a tributação ficará mais complexa e mais créditos se acumularão. Ao contribuinte restará pagar uma conta superior a R$ 400 bilhões a serem destinados aos fundos compensatórios nos próximos 20 anos. A despeito das evidências, sou cético quanto à possibilidade de elaborar-se algo pior.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 02/05/2013
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