O governo está empenhado em acabar com a chamada “guerra dos portos”. Trata-se dos incentivos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para importações de mercadorias por alguns Estados. O benefício fiscal, diz-se, exacerba o ritmo das importações e contribui para agravar a desindustrialização. Intuitivamente, a medida faz sentido.
A intuição, como se sabe, é um pressentimento que pode se basear em observação da realidade. As tardes quentes de verão costumam provocar chuvas fortes. Assim, intui-se que virá um temporal quando a temperatura sobe, mas as condições meteorológicas podem não confirmar o palpite. A intuição se mostrou equivocada.
A cruzada contra a guerra dos portos coincide com a percepção da alarmante perda de competitividade da indústria. A opinião pública tende a aceitar qualquer explicação plausível para a sua origem.
Os incentivos do ICMS para importação são uma modalidade de guerra fiscal. No seu início, os incentivos visavam à industrialização das regiões menos desenvolvidas. Eram aceitos e aprovados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reúne todos os Estados.
Como tempo, particularmente depois que a Constituição de 1988 deu aos Estados o poder de legislar sobre o ICMS, os incentivos se ampliaram, muitos de forma ilegal. O Confaz foi ignorado. Estados entraram na Justiça contra Estados. Benefícios foram glosados, criando incertezas e custos para as empresas. Virou bagunça.
O uso de incentivos do ICMS se justifica em certos casos. Sua utilização indiscriminada é prejudicial. Distorce a alocação de recursos, os quais não se orientam por sua melhor aplicação, mas pela economia de tributos.A guerra fiscal reduz a eficiência e os ganhos de produtividade. A sociedade perde.
O enfrentamento dessa questão exigirá uma revisão ampla do sistema tributário, bem como políticas eficazes e críveis de desenvolvimento regional e um prazo de transição para que Estados e empresas se adaptem a uma nova realidade. Não pode ser feito açodadamente.
A ação contra a guerra dos portos não mira a guerra fiscal, mas as importações. Não pode ser chamada de reforma tributária, pois o caos do ICMS continuará. As mudanças frequentes de regras e alíquotas permanecerão. O custo de cumprir obrigações fiscais não se alterará.
O foco da medida é equivocado. A grande maioria dos bens importados com tais incentivos é de matérias-primas, partes, peças e componentes. A indústria os importa pela necessidade de mudar a cadeia de suprimentos e assim lidar com o drama da perda de sua competitividade, provocada por conhecidos problemas estruturais. Busca-se o incentivo apenas quando este supera o custo adicional de transporte.
A lógica da grande maioria das importações não é a da guerra dos portos, mas a da preservação da competitividade. Assim, a não ser que o produto nacional fique mais barato que o estrangeiro após o fim dos incentivos – o que nem sempre acontecerá -, as importações tendem a continuar.
Haveria tão somente o deslocamento para outros portos, particularmente para o de Santos, já congestionado. A logística pioraria. Aumentaria o custo das empresas, reduzindo sua competitividade.
O governo federal se comprometeu a compensar os Estados pela perda de arrecadação nos portos. Sem segurança de que receberão esses recursos, os governadores buscarão apoio dos parlamentares de seus Estados para o que consideram um ameaça à sua saúde financeira e ao desenvolvimento estadual. A derrota provocará desgaste político que poderia ser evitado.
A medida parece ter muitos custos e pouco ou nenhum benefício. É preciso estudar e debater melhor o assunto.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 05/04/2012
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