EUA e China anunciaram, no último domingo, uma trégua temporária na guerra tarifária entre as duas nações. Esperemos que os líderes das duas maiores potências econômicas do planeta acabem chegando à conclusão de que nunca há vencedores em guerras comerciais.
Na verdade, essas guerras só acontecem porque algumas lideranças políticas economicamente iletradas subscrevem uma teoria bizarra segundo a qual balanças comerciais deficitárias podem ser drasticamente alteradas por políticas tarifárias agressivas, sem quaisquer mudanças na relação poupança / investimento de um país.
Quem ouve os discursos de Trump acaba com a impressão de que as tarifas de importação dos EUA são muito diferentes das dos seus principais parceiros comerciais. No entanto, como explica Kevin Williamson, a realidade é um pouco diferente dos discursos. Os Estados Unidos e a União Europeia têm quase a mesma tarifa média de importações: 1,7% para os Estados Unidos contra 2,0% para a União Europeia, segundo dados do Banco Mundial. Obviamente, há uma variação significativa por item; a Alemanha impõe uma tarifa de 10% sobre automóveis importados, por exemplo, enquanto os Estados Unidos cobram uma tarifa de 25% em caminhões leves. Em ambos os casos, essas tarifas médias foram reduzidas pela metade desde o início dos anos 90. A própria China, tida pela administração Trump como o grande inimigo a ser vencido, reduziu sua tarifa média em quase 90% desde os anos 90, de 32,2% para 3,5% – enquanto a sua economia prosperava como nunca no mesmo período.
Outro fato de que muito pouca gente fala é que o déficit comercial dos EUA com a China é muito pequeno, se tomado proporcionalmente ao PIB. Em 2017, por exemplo, ele representou menos de 2% do PIB dos EUA. Será que 2% do PIB merecem todo esse alarde?
Por outro lado, as alegações de Trump de que as políticas comerciais “perdedoras” dos EUA ao longo dos anos foram desastrosas para os empregos são contrariadas pelo fato de que o desemprego era baixo antes de Trump assumir, e agora a taxa está próxima do pleno emprego. Em particular, os empregos na indústria manufatureira vêm subindo desde a crise financeira de 2008.
Ademais, historicamente, sempre que houve um crescimento robusto da economia americana, ele foi acompanhado de maiores déficits comerciais (Veja gráfico). Não por acaso, os déficits são a contrapartida dos maciços investimentos estrangeiros.
Na verdade, os déficits comerciais não são um sinal de problemas econômicos, e os superávits comerciais não são necessariamente um sinal de saúde econômica. A última vez que os EUA geraram um superávit comercial com o mundo foi em 1975, quando a economia se encontrava em frangalhos.
Como lembra Kevin Williamson, os déficits (e superávits) comerciais não são impulsionados principalmente pela política tarifária, ou mesmo pelo comportamento do consumidor. É verdade que muitos norte-americanos preferem carros alemães e vinhos franceses, eletrônica barata e camisetas fabricadas na China, mas os déficits comerciais são principalmente o resultado de várias outras causas: fatores macroeconômicos, como políticas fiscais, taxas de poupança, a força da moeda do país e, mais importante, a sua atratividade para os investidores estrangeiros. Ironicamente, a reforma tributária da qual o presidente Trump e seus eleitores tanto se orgulham pode contribuir para aumentar os déficits comerciais, ao tornar os Estados Unidos um lugar mais atrativo para investir.
Quando os países obtêm superávits comerciais com os Estados Unidos, o que eles normalmente fazem com esse dinheiro? Compram ativos em dólar, como ações da Apple ou da Ford. Ou podem investir diretamente naquele país, em fábricas, imóveis, etc. Repare no gráfico abaixo, a simetria quase perfeita entre déficits comerciais e superávits na conta de investimentos. O que ele demonstra, acima de tudo, é que existe um gap entre as taxas de poupança e investimento nos EUA, que é suprido por poupadores externos.
Portanto, longe de serem vitimados pelos famigerados déficits comerciais, os americanos enriquecem com eles. Em 2017, por exemplo, os EUA compraram US $ 118 bilhões em bens de fabricação alemã. Em troca, venderam US $ 54 bilhões em bens fabricados na América, o que deixou um saldo de US $ 64 bilhões nas mãos dos alemães para investir em ativos americanos.
A propósito, você sabe quem é o maior exportador de automóveis dos EUA? É a alemã BMW, que constrói SUVs em Spartanburg, Carolina do Sul, onde emprega mais de 9.000 americanos. O déficit comercial com a Alemanha foi a contrapartida que tornou isso possível – é daí que veio o dinheiro para construir aquela fábrica. Agora, pergunte aos trabalhadores da Carolina do Sul se eles acham que esta é uma boa troca.
Assista ao hangout “Incerteza global – Como uma guerra comercial entre EUA e China pode afetar a economia do Brasil e do mundo?”, com Marcos Troyjo, Paulo Roberto de Almeida e Sérvulo Dias: