O presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, disse em entrevista ao Estadão/Broadcast que é preciso balancear o risco de curto prazo de permanência da inflação abaixo da meta com o risco de médio e longo prazo “de fazer o que a gente sempre fez no Brasil: superestimar o curto prazo e no final das contas a inflação voltar”.
Ilan afirmou ainda que não é bom para a credibilidade mudar metas de inflação já estabelecidas, como 2019 e 2020, mas, em relação a 2021, acrescentou que “nossa perspectiva é tentar continuar no processo de convergência (da meta de inflação para patamares mais baixos)”. Ele ressalvou, entretanto, que a decisão será tomada em junho, e que “não sabemos ainda se teremos condições (de reduzir a meta para 2021)”. Ela apontou que a decisão passa também pelos ministros da Fazenda e do Planejamento.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Os dados de atividade estão decepcionando e a inflação e os núcleos estão muito abaixo da meta. O BC ficou atrás da curva no ciclo de queda da Selic?
Tivemos uma mudança relevante da economia brasileira, que é a queda da inflação de dois dígitos para algo em torno de 3%, uma grande conquista. Houve a volta do crescimento depois de uma recessão de dois anos, para um ritmo que acredito esteja em torno de 2,5% ou 3%. A expectativa dos analistas do Focus é que este ano feche em 2,9% e o ano que vem em torno de 3%, que é mais ou menos o que a economia está crescendo na sua tendência. É claro que vamos ter momentos de crescimento menor e maior, mas a tendência parece ser essa. É uma recuperação gradual. A taxa de juros real ex-ante de 12 meses está em torno de 2,5%. A média do juro real nos últimos cinco anos foi de 5%, olhando hoje o longo prazo é 5%, há uma década era 10%, mais para trás era 20%. Nós consideramos que a taxa real hoje, de 2,5%, é estimulativa. O quanto estamos estimulando depende do que você acha que seja a taxa de juros neutra. Mas acho difícil dizer que 2,5% de juro real no Brasil não é estimulativo.
Por falar nisso, há uma discussão sobre a possibilidade de o juro neutro na economia brasileira ter caído.
Temos que olhar e reestimar a taxa real neutra ao longo do tempo. Na ata tem uma frase que sempre repetimos e que continua válida, de que os ajustes e as reformas tendem a reduzir a taxa de juros estrutural, a neutra. Por uma questão de lógica sabemos que algumas medidas do passado tendem a ajudar essa queda, outras infelizmente ainda não foram implementadas. E temos que olhar na prática a economia e ver o que está acontecendo.
Enfim, o BC não está tão preocupado com o ritmo da economia…
Minha mensagem principal é que o Banco Central precisa balancear os riscos. Temos, de um lado, uma inflação baixa que está ocorrendo hoje, tanto nos núcleos quanto nas projeções para 2018. Mas é preciso balancear esse espaço que temos para estimular mais a economia com o nosso desejo de que o que foi conquistado até agora em termos de queda da inflação e dos juros permaneça no futuro. As projeções de 2019 e 2020 estão mais ou menos na meta. Mas temos que levar em consideração que há algumas incertezas importantes adiante.
O sr. poderia detalhar mais esse balanço de riscos?
Do lado da inflação baixa no curto prazo, a incerteza principal é se ela vai perdurar mais e vai voltar ao normal mais lentamente do que a gente imaginava. Isso significaria que haveria espaço para uma flexibilização adicional. Na última reunião do Copom, inclusive, comunicamos uma flexibilização além do que estava precificado pelos analistas. Então esse é o risco que você enfatizou até agora: a inflação baixa, os núcleos baixos, projeção baixa para 2018. Foi exatamente isso que nos fez estimular um pouco mais a economia na nossa última decisão.
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E o outro lado?
É para ele justamente que quero chamar a atenção: o risco de fazer o que a gente sempre fez no Brasil, isto é, superestimar o curto prazo e no final das contas a inflação voltar. E perdemos esse cenário extremamente benigno para a sociedade brasileira de inflação e juro baixos. Em relação ao futuro, temos várias incertezas. Por exemplo, quanto à defasagem da política monetária. A importante queda da taxa de juros, que já estimulou a economia, pode estimular mais no futuro. Isso pode ocorrer conforme nossos modelos apontam, mas pode também ser diferente do que a gente imagina. Então temos que olhar e analisar, e talvez uma pausa – que também comunicamos – seja adequada depois desse estímulo adicional.
Quais são as outras incertezas?
A pausa também ajuda a avaliar algo importante para dar estofo às decisões, que é a continuação das reformas e ajustes. Inflação e juro baixos de forma sustentável precisam das contas públicas em ordem, da trajetória de despesa dentro do teto, de uma reforma da Previdência. E também temos o risco externo, de que um cenário benigno, que já dura alguns anos, termine à medida que a normalização das taxas de juros internacionais aconteça.
A Selic caiu, mas o spread bancário caiu menos. Há um problema de cartel? O BC tem uma agenda para lidar com esse problema, mas não seria necessário tomar medidas mais contundentes?
Temos que encarar os problemas do Brasil – e o spread bancário é um deles – de forma estrutural, pela raiz. Lidar só com os sintomas leva a decisões voluntariosas e equivocadas. Isto já foi feito no Brasil no passado em várias áreas, o que reflete esse anseio de soluções em dias ou semanas para problemas de décadas. Nessa área de spread, houve uma tentativa desse tipo há alguns anos. Nós hoje estamos atacando o problema, mas não vamos tomar atitudes voluntariosas que já deram errado no passado. Nada forçado, que possa dar resposta no curtíssimo prazo, mas que volta pior depois.
Mas então por que o spread custa tanto a cair?
No último Relatório de Inflação há um boxe sobre o que ocorreu com os juros, de todos os tipos. O que se observa é que, nos últimos cinco episódios de flexibilização monetária, desde 2003, e incluindo este agora, a queda dos spreads ocorreu de forma mais ou menos parecida, em média. Isto significa que o spread está caindo. Há uma defasagem entre a queda da Selic e do spread, da mesma forma que, quando a Selic sobe, o spread demora mais a subir.
E qual é a forma correta de lidar com o problema?
Temos um projeto para o setor bancário, a agenda BC+, que começamos no primeiro dia. Em primeiro, estamos atacando a questão das garantias. Sabemos que, quando há garantia, o juro cai muito. Aprovamos a garantia eletrônica, por exemplo. Em segundo vêm os custos operacionais. Nisso, o sistema financeiro do Brasil se destaca negativamente no resto do mundo. Há as ações trabalhistas, causas na Justiça. A reforma trabalhista pode ajudar nesse item. Também estamos trabalhando a questão da informação. O que a nós parece muito intuitivo, as vantagens do cadastro positivo para o consumidor, que permite um crédito mais barato, cria receios, de que a informação vai ser perdida ou usada de forma negativa. Mas estamos conciliando e já estamos quase na segunda votação: a primeira foi no Senado e ontem passou a leitura do relatório na Câmara.
Mas os juros do cartão de crédito e do cheque especial permanecem extremamente elevados, não?
São os produtos especiais, uma questão que também estamos abordando. O juro do cartão rotativo é alto porque o setor tem muito subsídio cruzado. Nós mudamos as regras do rotativo e acabamos com a bola de neve. Depois de 30 dias, tem que oferecer uma alternativa. E a taxa de juros no rotativo regular caiu pela metade. Ok, a gente quer que caia mais, para um quarto, mas ninguém pode dizer que está caindo devagar. Em segundo lugar, o Congresso aprovou a lei que permite a diferenciação de preço do pagamento à vista. E no cheque especial vai ter uma regulação na Febraban.
Mas há também a questão da concorrência.
Também estamos trabalhando nisso. Há um ano e meio nós dividimos o sistema bancário em cinco, de S1 a S5. O S1 são os cinco maiores bancos, o S5 todas as cooperativas. Nós exigimos muito mais em termos de regulação do S1, e muito menos das cooperativas. No meio do caminho, adotamos a proporcionalidade, aliviando os menores e trazendo toda a Basileia (regras internacionais de regulação bancária) para os maiores.
E as fintechs, novas empresas de tecnologia que atuam no setor financeiro e de crédito?
É a nossa segunda frente. Houve audiência pública e vai sair ainda este mês uma regulação sobre as fintechs de crédito. Adotamos semana passada duas medidas muito importantes. Primeiro, se permitiu que todas as instituições de pagamento não bancárias tenham acesso sem nenhuma dificuldade ao débito automático, à transferência. É quase que um “open banking” brasileiro. A segunda medida foi limitar quanto uma bandeira (de cartão de débito) paga para as credenciadoras, aumentando a competição no mercado de débito. Estamos pensando em fazer o próximo passo no cartão de crédito, uma medida muito forte. E, finalmente, aprovamos há duas semanas a facilitação da portabilidade da conta salário. Agora, para mudar de banco você vai para o banco receptor, que pode mandar um comando para o seu banco para mudar. A gente trouxe da ideia da portabilidade do celular. Funciona porque o receptor, que tem todo o interesse que você mude, faz a mudança. Se você tiver que ir primeiro na sua agência, vão fazer tudo para você mudar de ideia.
Com o sr. vê a política monetária pós-eleição?
Sob o ponto de vista da sustentabilidade, seria bom ter a autonomia do Banco Central, que torna mais perenes as conquistas, e não só da minha gestão. Por isso estamos trabalhando no projeto da autonomia, com mandato fixo, não coincidente com o presidente da República. A mudança da autoridade monetária quando muda o governo traz incerteza, e isso não precisaria acontecer no mesmo momento. As taxas de juros longas, que ainda estão altas – o que tem a ver com expectativas sobre a solução de problemas estruturais, como o fiscal, e com a própria manutenção da conquista da inflação baixa -, tendem normalmente a subir e provocar inclinação da curva de juros quando há troca de governo. A proposta de autonomia não é para agora, é estrutural, a partir de 2020. O BC fica com um objetivo claro, de inflação, não dá para ter vários objetivos com o mesmo peso.
O sr. declarou recentemente que vê chances de autonomia ser aprovada este ano. Será mesmo?
Você sabe que eu não costumo falar antes de ter alguma perspectiva. Estamos trabalhando bastante nesse tema, é uma prioridade, e, se for possível, é mais uma mudança estrutural que reduziria o custo de crédito, o prêmio de risco, e permitiria manter a inflação baixa por muito mais tempo.
O sr. cogitaria ficar no BC além de 2018, se for convidado pelo próximo presidente?
Eu estou bem trabalhando aqui, o meu plano é ficar 2018.
Em junho, há perspectiva de baixar a meta de inflação de 2021 para menos de 4%, que é a meta de 2020? E há chance de baixar as metas já fixadas de 2019 (4,25%) e 2020?
A gente tem sido contra mudar metas para cima e para baixo. Aliás, uma decisão importante no início do meu mandato aqui foi não mudar a meta – muita gente achava que a inflação estava muito alta (em 2016), que seria muito custoso. É o inverso da preocupação que você está colocando agora. Achamos que, para a credibilidade, é melhor não mudar metas já fixadas. E olhar a decisão sobre 2021 em junho levando em conta onde estamos, quais as perspectivas futuras. Para ver se podemos nos dar ao luxo de continuar a trajetória de convergência das metas para valores mais baixos de inflação. Isso ainda vai ser decidido em junho. Nossa perspectiva é tentar continuar no processo de convergência, mas não sabemos ainda se temos as condições. Se acharmos que as condições existem, continuaremos, mas é uma decisão do CMN, que envolve dois outros ministros (Fazenda e Planejamento).
Como o sr. vê risco de turbulência política este ano?
Eu não entro em questões políticas porque, se entrar, acabo perdendo uma neutralidade e um caráter técnico, o que prejudicaria o Banco Central. O Brasil precisa de atores neutros, apartidários. Um Banco Central de Estado, um banco público. Mas reitero que é importante para a sustentabilidade da queda da inflação e do juro que continuemos o processo de ajuste e mudanças que está ocorrendo. As expectativas ancoradas estão embutindo alguma perspectiva de continuidade, porque a política monetária no médio e longo prazo precisa estar complementada com as outras questões.
Pode haver mais cortes da Selic além do já sinalizado para maio?
Quando olhamos para 2018, o estímulo adicional que colocamos nos parece neste momento adequado. Olhando para o futuro, quando estivermos no meio do ano, olhando para 2019 e 2020, aí se colocam outras projeções, outros riscos. Nos parece que será o momento de pausar e observar.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”