BRASÍLIA – A insatisfação de servidores da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) com um dos escolhidos pelo governo Bolsonaro para compor a diretoria do órgão chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). A União Nacional dos Servidores de Carreira das Agências Reguladoras Federais (Unareg) pede que a Corte derrube a nomeação de Guilherme Sampaio, que até dois dias antes de sua indicação à ANTT ainda era quadro da Confederação Nacional do Transporte (CNT).
Os servidores apontam conflito de interesse no caso e desrespeito às exigências da Lei das Agências Reguladoras, já que a CNT tem associadas sob regulação direta do órgão. Como revelou o Estadão/Broadcast, antes do aval do Senado funcionários da ANTT e especialistas já haviam alertado que a indicação iria contra a legislação. Mesmo assim, a escolha foi aprovada no mês passado pelos senadores, e o diretor foi nomeado por Bolsonaro no último dia 20 de julho.
A escolha de Sampaio foi fruto de um acordo político com senadores. O governo teve de retirar nomes que já estavam na Casa em razão da resistência política à indicação de Davi Barreto para a diretoria-geral da ANTT. Servidor de confiança do ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, Barreto hoje ocupa uma das cadeiras da diretoria, com mandato até 2023. O ministro, no entanto, queria alçá-lo a um patamar mais alto – a chefia do órgão regulador –, desejo que azedou no Senado, sob a presidência de Rodrigo Pacheco (DEM-MG). A atuação de Barreto para abrir o mercado de transporte rodoviário de passageiros a novos concorrentes é apontada como o principal motivo da recusa a seu nome.
No início do mês, a Associação dos Servidores da ANTT chegou a acionar o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Ministério Público Federal (MPF) para tentar barrar a nomeação de Sampaio e, num movimento mais amplo, a provocação ao STF foi feita por uma entidade que reúne servidores também de outras agências federais.
Na ação, a Unareg afirma que o escolhido não possui a experiência exigida para o cargo na ANTT e demonstra “nítido conflito de interesse” junto ao setor regulado pelo órgão. Antes de sua indicação à cadeira na agência, Sampaio ocupava a chefia de gabinete da Presidência da CNT. “É tão enraizado o conflito de interesses que poucos dias de interregno entre as duas funções não poderia o dispersar”, afirma a entidade, acrescentando que a CNT é a principal entidade a representar empresas reguladas pela ANTT e suas associadas.
Defesa
O governo e Sampaio consideram ter a seu favor o parecer da indicação no Senado, de autoria do senador Wellington Fagundes (PL-MT). Nele, Fagundes faz referência a uma lei de 2001 – e não à Lei das Agências, em vigor desde junho de 2019 – que impede a nomeação de membro de conselho ou diretoria de associação representativa de interesses patronais ou trabalhistas ligada às atividades reguladas pela agência. O senador reconhece que a CNT se enquadra no caso, mas afirma que a vedação não se aplicaria ao cargo recentemente exercido por Sampaio na confederação.
“O candidato não era membro do conselho ou da diretoria da CNT, mas sim empregado daquela confederação, na função de chefe de gabinete da presidência, motivo pelo qual entendemos não se enquadrar nesta vedação”, disse o senador, sem, contudo, mencionar a regra da lei mais recente, que proíbe a indicação de pessoa que exerça cargo em organização sindical. Sobre o tempo de experiência profissional mínima, Fagundes não se baseou na regra que exige dez anos, mas na de quatro anos mínimos, usada para quem tenha ocupado cargo de “chefia superior” – outro ponto questionado pelos servidores.
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Ao Estadão/Broadcast, Sampaio reforçou os argumentos do relatório de Fagundes e afirmou que a indicação passou por uma espécie de tripla checagem: primeiro pela avaliação do próprio governo, depois pela Comissão de Infraestrutura e, posteriormente, pelo plenário do Senado. “No que se refere à função que eu exercia na CNT, uma organização sindical, o que se tem é que o dispositivo incide apenas sobre pessoas que ocupam cargos ou postos para os quais foram eleitas. No meu caso, eu era empregado celetista e eminentemente técnico”, disse Sampaio, que afirmou atender os requisitos de experiência profissional mínima, seja na regra de quatro ou de dez anos. Ele se formou em Direito no fim de 2011.
Em nota, o Ministério da Infraestrutura afirmou que o Senado aprovou sem reservas as indicações e os currículos de todos os indicados pelo governo. Já a CNT afirmou que o processo de nomeação de Sampaio seguiu os trâmites legais e foi baseado em “critérios técnicos resguardados pelos conhecimentos e pela atuação do advogado no setor de transporte há mais de uma década”.
Fonte: “Estadão”, 02/08/2021
Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado