Em time que está ganhando não se mexe. É a máxima do futebol aplicada pelos brasileiros aos mais distintos aspectos da vida cotidiana. Mas o que não se mexe não muda. Logo, não evolui. E para continuar vencendo ao longo do tempo é preciso evoluir. A máxima do futebol vale para o curto prazo, nem sempre para o longo prazo. Em economia a máxima vale também. E nem sempre com políticas vencedoras. A inércia, às vezes, domina a capacidade de mudar.
A política fiscal do País pode ser vista como vencedora. A manutenção de superávits primários por década e meia foi capaz de reduzir a relação dívida/PIB, afastar de vez as dúvidas quanto à sua sustentabilidade e com isso ganhar credibilidade, reduzir o risco Brasil e o custo do financiamento público e privado. A base do time vencedor foi a criação e manutenção da Lei de Responsabilidade Fiscal e dos acordos bem-sucedidos do governo federal com os Estados. Hoje a nossa situação fiscal contrasta com os problemas agudos dos países avançados, principalmente na Europa.
Mas a política fiscal precisa evoluir. Há alguns aspectos em que ela pode ser considerada perdedora. As despesas têm crescido em torno de 13% (6,3% descontada a inflação) na última década e meia. É uma taxa muito elevada. Para atingir as metas de superávit primário foi necessário elevar a carga tributária de tal forma que hoje é um dos maiores entraves à competitividade da economia. A rigidez do crescimento das despesas correntes significou também que a capacidade de investimento do Estado ficou comprometida, resultado cuja reversão é hoje um compromisso explícito do governo, com o intuito de reduzir os entraves (como infraestrutura) ao crescimento. Não obstante o cumprimento das metas fiscais, o governo continua pesando com uma poupança negativa, o que significa que não sobram recursos para investir. Como consequência, para conseguir fazer frente às necessidades de investimento a economia depende de poupança externa (equivalente ao déficit em conta corrente, atualmente em 2% do PIB, e aumentando). Essa dependência é a razão fundamental para a apreciação cambial, que aflige vários setores da economia.
Avaliamos que seria benéfica para o País a adoção de um regime fiscal com base em metas estruturais. Essas metas ajustam o resultado fiscal tradicional para o sobreaquecimento (ou desaquecimento) nas condições econômicas e nas operações extraordinárias. A adoção de metas estruturais poderia induzir maior eficiência da política fiscal e elevação da poupança pública.
Em períodos de forte expansão econômica e/ou rápida elevação nos preços de ativos (ações, matérias-primas, imóveis) as receitas do governo tendem a crescer rapidamente e as despesas públicas dependentes do ciclo (como gastos com seguro-desemprego), a cair. Gasta-se mais nesse período com o conforto de que as metas fiscais não estão ameaçadas. Mas é exatamente nos momentos de bonança que seria desejável e possível recuperar a capacidade de poupar do governo federal. O contrário se dá em momentos de desaceleração. Com a queda nos preços de ativos ou a deterioração de condições econômicas, a arrecadação sofre e há potencialmente mais gastos cíclicos, dificultando a obtenção dos resultados fiscais propostos à sociedade. Nesses momentos o alívio das metas fiscais tradicionais é recomendável. Na ausência desse alívio, o atual regime fiscal estimula a busca por fontes de receitas temporárias.
As metas fiscais estruturais podem evitar tais distorções. Para calcular o resultado fiscal estrutural se ajustam os números observados do orçamento público para os ciclos de atividade e de preços de ativos. Após uma filtragem preliminar dos dados – eliminando operações orçamentárias julgadas não recorrentes -, estima-se o volume de receitas e despesas do governo que seriam observadas caso a economia (e os preços dos ativos) estivesse operando em sua tendência de longo prazo.
Por filtrar a influência das condições econômicas sobre o orçamento público, o resultado fiscal estrutural revela a efetiva postura das políticas orçamentárias, mostrando em que magnitude as decisões governamentais estão contribuindo para a expansão ou contração fiscal observada.
Recentemente, técnicos do Ipea divulgaram resultados sobre as séries fiscais estruturais para o Brasil. Na mesma linha, a equipe econômica do Itaú Unibanco vem trabalhando com profundidade sobre o assunto (ver o trabalho de Maurício Oreng no Itaú Macro Visão Em prol de uma meta fiscal estrutural para o Brasil, neste link , e também no Texto para Discussão do Itaú Unibanco n.º 6 Brazil’s Structural Fiscal Balance, neste link.
Nossas estimativas para o período 2000-2011 (até setembro) mostram uma flutuação considerável no resultado primário estrutural (enquanto o resultado primário tradicional, sem ajuste, mostrou relativa estabilidade). A partir de 2000 houve elevação média de 0,8% do PIB/ano, chegando a 4,3% em 2003. A partir de 2004 verificamos queda contínua no superávit primário estrutural do setor público de cerca de meio ponto porcentual a cada ano, trazendo o resultado de 4,2% do PIB em 2004 para 0,8% em 2010. Finalmente, houve uma significativa mudança na postura fiscal em 2011, com o superávit primário estrutural (acumulado em 12 meses) subindo para 2,1% do PIB até o terceiro trimestre.
Em suma, nossas estimativas de superávit primário estrutural revelam que o atual regime fiscal induz um comportamento expansionista em períodos de sobreaquecimento e o contrário em fases de retração. Além disso, o regime incentiva a busca por receitas extraordinárias em tempos de recessão. Acreditamos que a adoção de metas estruturais resultaria em mais eficiência na gestão pública e maior nível de poupança governamental, contribuindo para aumentar o crescimento sustentável do País.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 03/04/2012
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