A pandemia de Covid-19 já levou nove países do continente a adiarem eleições presidenciais, regionais e referendos que, na maioria dos casos, ainda não têm data para acontecer. Num ambiente de expressivo consenso político, salvo isoladas exceções, autoridades eleitorais, respaldadas por governos e partidos políticos, puseram a prevenção sanitária acima de interesses políticos. Nas palavras da argentina Dolores Gandulfo, diretora do Observatório Eleitoral da Conferência Permanente de Partidos Políticos da América Latina e do Caribe, “os países estão atuando como se estivessem em guerra”.
Um dos casos mais complicados é o da Bolívia, que deveria ir às urnas no dia 3 de maio para eleger um novo presidente e renovar sua Assembleia Legislativa. O pleito foi suspenso pelo Tribunal Supremo Eleitoral, que agora aguarda uma votação do Parlamento para definir a nova data. O problema é que, por conta da pandemia, as sessões legislativas também foram suspensas.
Num ambiente de enorme tensão política, os bolivianos não sabem quando elegerão o sucessor de Jeanine Áñez, que assumiu de forma controversa em novembro passado, após a renúncia do ex-presidente Evo Morales, sob pressão das Forças Armadas e de policiais. A Bolívia estendeu ontem a quarentena total até o dia 30 abril.
Últimas notícias
Orçamento de guerra deve ser votado hoje
‘Usar recursos para despesa com funcionalismo é imoral nos tempos atuais’, diz ex secretário do Tesouro
Câmara aprova ajuda de R$ 89,6 bi a Estados e municípios para compensar impacto do coronavírus
— As eleições ainda não têm nova data, dependerá do Tribunal Supremo Eleitoral, que é um poder independente — disse ao GLOBO a chanceler boliviana, Karen Longaric. — A população compreendeu e apoiou o adiamento . As pessoas estão aterrorizadas com o coronavírus.
Apesar das permanentes acusações de Morales ao governo interino, que considera uma “ditadura”, o ex-presidente concordou com a suspensão das eleições e afirmou que “não existe outro caminho para salvar vidas”. Analistas eleitorais temem que a tensão se eleve a níveis máximos se a nova data do pleito não for informada a em breve.
— No caso boliviano, a eleição é a melhor maneira de desbloquear a crise institucional que se vive desde novembro. Se o processo for adiado por muito tempo, a instabilidade se aprofundará — alertou a diretora do observatório.
No caso do Chile, o cenário é relativamente mais tranquilo. O referendo sobre a elaboração ou não de uma nova Constituição passou do final de abril para o final de outubro. A nova data acalmou um pouco os ânimos e limitou os questionamentos ao governo do presidente Sebastián Piñera, às voltas com protestos desde o segundo semestre do ano passado. Como na Bolívia, houve consenso sobre a necessidade de adiar o processo. As eleições regionais, que também estavam originalmente previstas para este mês, passaram para abril de 2021.
Em Colômbia, Uruguai, Paraguai, México e Argentina foram suspensas eleições municipais, ainda sem previsão. De acordo com o ministro do Interior paraguaio, Euclides Acevedo, “foi uma decisão com a qual concordaram todos os partidos e políticos do país”. O Paraguai foi um dos primeiros a fechar-se na região e adotar uma quarentena total, com rigorosas medidas e punições para quem não cumpri-las. Em princípio, as medidas vigorarão até o final de abril, mas, segundo Acevedo, poderiam ser prorrogadas.
+ Ana Carla Abrão: Ressurreição
No Peru, o governo do presidente Martín Vizcarra declarou estado de emergência, e autoridades eleitorais suspenderam eleições municipais no departamento (estado) de Ayacucho.
— A decisão do governo tem alta aprovação popular. Estamos em estado de emergência e quarentena total até o dia 26 de abril, e provavelmente a data será prorrogada — diz Adriana Urrutia, pesquisadora do Instituto de Estudos Peruanos.
Desafio inédito
A República Dominicana acaba de definir a nova data de sua eleição presidencial, que passou de 17 de maio para 5 de julho. Para a diretora do observatório eleitoral, “trata-se de um exemplo interessante porque a Junta Central Eleitoral do país pediu a opinião de todos os partidos políticos, antes de anunciar sua resolução”.
— Quando não há consenso, tudo se complica. Mas vemos governos, poderes eleitorais e partidos atuando como se estivessem em guerra — afirma Dolores, que cita um desafio inédito na região: — É preciso enfrentar a pandemia com consensos.
Na Venezuela de Nicolás Maduro, um dos países mais vulneráveis ao coronavírus, o Conselho Nacional Eleitoral prevê eleições legislativas em dezembro. A ala mais dura da oposição, liderada por Juan Guaidó, por enquanto não pretende participar.
Fonte: “O Globo”