Têm tido repercussão na imprensa as propostas conhecidas por novo-desenvolvimentismo. O ex-ministro da Fazenda Bresser-Pereira, em colaboração com os professores José Oreiro e Nelson Marconi, acaba de lançar o livro “Macroeconomia Desenvolvimentista”.
O ponto de partida da análise novo-desenvolvimentista é que a indústria de transformação é um setor especial. Ele lidera o desenvolvimento econômico, e o investimento na indústria gera ganhos tecnológicos que transbordam para os demais setores. Ou seja, uma falha de mercado –o ganho social do investimento no setor industrial é maior do que o ganho privado– justifica algum tipo de intervenção do setor público nos mercados para estimular o investimento no setor.
Uma das novidades da abordagem é a maior preocupação com o equilíbrio fiscal, em comparação ao desenvolvimentismo tradicional.
Outro elemento importante da estratégia novo-desenvolvimentista é algum tipo de controle cambial. A ideia é que câmbio real mais desvalorizado induz maiores investimentos na indústria e aumenta o crescimento de longo prazo da economia.
Segundo essa escola, a valorização do câmbio ao longo do governo Lula (2003-2010) seria responsável pela perda –ao menos em parte– do dinamismo da economia.
Minha interpretação é distinta. Nos melhores anos do governo Lula, os ganhos de produtividade e as boas perspectivas estimularam o crescimento do investimento em velocidade superior à da economia. Nossa economia política impediu que o maior crescimento no período gerasse elevação da poupança doméstica, para financiar o aumento do investimento.
O aumento da taxa de investimento, com uma taxa de poupança doméstica estável, gerou a contínua piora das contas externas –pela necessária absorção de poupança internacional– e a consequente valorização do câmbio. Ou seja, caso não houvesse a valorização do câmbio e a maior absorção de poupança externa, a inflação teria sido maior.
Houve naquele período fortíssimo processo de acumulação de reservas, que contribuiu para moderar o processo de valorização. No entanto, no Brasil a acumulação de reservas não é muito efetiva para impedir um processo de valorização do câmbio, pois, devido à baixa poupança do setor público, o Banco Central tem que emitir dívida doméstica para recomprar os reais que emitiu para adquirir as reservas. Nos países asiáticos, que praticaram políticas próximas das defendidas pelos novos-desenvolvimentistas, a elevada taxa de poupança permite que a acumulação de reservas não pressione a liquidez e a inflação domésticas.
Chegamos sempre ao mesmo ponto: controlar o câmbio sem que o setor público tenha posição fiscal extremamente sólida só redunda em inflação. Por outro lado, se houver forte aumento da poupança pública, o câmbio real desvalorizar-se-á naturalmente.
Finamente, a adoção de alguma meta de câmbio real tem o efeito colateral ruim de estimular que as empresas assumam passivos em moeda estrangeira mesmo que não tenham seguro contra oscilações do câmbio nominal. Aumentam em muito os riscos de uma crise cambial.
Sem entrar no mérito do argumento principal –a essencialidade da indústria de transformação para desenvolvimento econômico–, o novo-desenvolvimentismo é um modelo que pode até funcionar nas economias asiáticas que apresentam taxas de poupança acima de 35% do PIB. Difícil imaginar que irá funcionar com nossos ridículos 15%-20% do PIB de taxa de poupança!
Fonte: Folha de S.Paulo, 07/08/2016.
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