Em apenas quatro anos, o mercado brasileiro de inovação saltou de zero para 22 “unicórnios” (startups avaliadas em mais de US$ 1 bilhão) – só em 2021, as empresas brasileiras com DNA tecnológico captaram US$ 9,4 bilhões em mais de 770 transações, segundo dados da Distrito. Esse crescimento, porém, não diz respeito apenas às empresas. O mercado de “venture capital” (que investe em startups) também vem amadurecendo no País, ganhando novas facetas: um dos movimentos recentes é o fortalecimento de fundos “nichados”, que delimitam o escopo de investimentos em um só setor.
Essa é a estratégia seguida pela Terracotta Ventures, firma catarinense especializada em investir no segmento de construção civil e no mercado imobiliário. Criada em 2019, a gestora tem hoje sete startups no portfólio (entre elas EmCasa, Yuca e Livance) e está captando desde o ano passado um fundo de R$ 100 milhões para investir em até 20 startups nos próximos três anos, sendo oito aportes previstos ainda para 2022 – a incorporadora Cyrela e o grupo Gerdau estão entre os investidores.
“O mercado de venture capital cresceu muito. Para você ser uma gestora competitiva e acessar as melhores oportunidades, é preciso ter um diferencial em conhecimento”, afirma Bruno Loreto, sócio da Terracotta Ventures, em entrevista ao Estadão – na visão dele, o investidor, como uma empresa de construção civil, também se sente mais seguro ao aportar em um mercado já conhecido. Antes de criar a Terracotta Ventures, Loreto e seu sócio, Marcus Anselmo, trabalhavam na empresa de software Softplan, de Florianópolis (SC).
Quem também aposta no olhar especializado é o fundo HiPartners, focado em “retailtechs” (startups do varejo). Por trás da iniciativa, estão veteranos da área: Walter Sabini Junior (empreendedor do setor), Eduardo Terra (presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo), Alberto Serrentino (sócio da consultoria Varese Retail) e German Quiroga (empresário com passagem por empresas como Americanas, Pontofrio, Cyrela e Nova Pontocom).
“O varejo está em transformação digital, mas uma das grandes dificuldades das startups é se aproximar das varejistas de forma eficiente. Conseguimos ajudar nisso porque estamos imersos no setor e conhecemos muito bem quais tecnologias podem vir a resolver problemas”, diz Junior, que fundou a plataforma de marketing Virid, vendida para a Serasa Experian em 2011.
O HiPartners foi lançado em 2020 e pretende fazer o primeiro investimento ainda neste ano. O grupo está levantando um fundo de R$ 100 milhões – cerca de 50% já foi captado. Junior não fala em metas de aportes, mas afirma que os cheques estarão na faixa entre R$ 500 mil e R$ 5 milhões.
“Como estamos entrando agora, olhamos principalmente para tendências futuras dentro do varejo, como cibersegurança e metaverso. São empresas que estarão no ápice daqui a quatro anos”, diz o fundador do HiPartners.
Nova fase
Pedro Tonhozi, professor do Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da FGV, explica que as gestoras de nicho são uma tendência em mercados mais desenvolvidos.
“Nos EUA, é algo muito comum. O venture capital no Brasil começou principalmente com fundos generalistas porque não existiam muitas startups para investir. Agora, já temos uma explosão de empresas em todas as áreas”, diz Tonhozi. Nos últimos dez anos, firmas brasileiras de capital de risco como Monashees, Astella e Canary se consolidaram investindo em startups de diferentes segmentos.
Porém, há quem tenha apostado cedo no modelo de nicho, mesmo quando o ecossistema brasileiro de startups era mato. Fundada em 2007 como parte do Criatec, fundo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a gestora SP Ventures esteve concentrada em investir em “agtechs” (startups agrícolas) nos últimos anos. Em 2014, criou um fundo de R$ 105 milhões e, em 2020, dobrou o volume em uma segunda captação de R$ 300 milhões – ao todo, a SP Ventures tem mais de 30 startups investidas. Segundo Francisco Jardim, fundador da gestora, o plano é fazer 10 novos investimentos em 2022, olhando para a América Latina como um todo.
“Começamos como um fundo generalista, mas logo vimos que as decisões de investimento eram rasas e nossa capacidade de agregar valor em vários segmentos era baixa. Por volta de 2010, resolvemos nos especializar em agtechs, atraídos pelo tamanho do mercado no Brasil”, afirma Jardim.
Restrições
A concentração de investimentos, entretanto, traz limitações. Naturalmente, os fundos de nicho são menores e focam principalmente em startups de estágio inicial – a título de comparação, a Monashees captou US$ 700 milhões para dois novos fundos generalistas em dezembro do ano passado.
Para Gustavo Gierun, presidente executivo da Distrito, apesar de a gestora especializada ter condição de comparar e escolher melhor suas investidas gerando, potencialmente, um retorno melhor, há riscos no meio do processo. “Esses fundos concentrados podem sofrer com crises sistêmicas afetando diversas investidas ao mesmo tempo”, afirma.
Às vezes, também há dificuldade em encontrar bons negócios dentro de um escopo menor. A curitibana Life Capital, por exemplo, que investe em startups de saúde e bem-estar, pretendia investir em até quatro startups em 2021, mas terminou o ano com apenas um aporte. “Sabemos que conseguimos somar com a nossa tese. Mas, ao mesmo tempo, há o revés de não existir um número não tão grande de oportunidades quentes quando se atua em um ramo específico”, afirma Jorge Buczek, cofundador da Life.
Essa limitação, porém, tende a ser suavizada à medida que os mercados crescerem. “No passado, encontrar agtechs era um problema. Hoje, não mais. O principal desafio agora é manter a disciplina e o foco enquanto há startups interessantes de diversos setores pipocando no mercado”, afirma Jardim, da SP Ventures.
Fonte: “Estadão”, 02/02/2022
Foto: Reprodução/Estadão