O mundo globalizado é uma construção delicada. Uma população incomparavelmente maior que em qualquer outra época dependendo de uma rede de suprimentos muito ampla. Para entender as guerras do século XXI, devemos esquecer os conflitos ideológicos do século XX. Em vez disso, o importante é lembrar Malthus. “As guerras futuras serão disputas por recursos naturais”, alertava o filósofo inglês John Gray, em Cachorros de palha (2002).
Os preços de alimentos e de recursos naturais não param de subir. Mais de 3,5 bilhões de eurasianos, agora incluídos nas economias de mercado, derrubam salários e fazem disparar, simultaneamente, os preços das commodities e das matérias-primas. Ao mesmo tempo, a melhoria do padrão de vida das populações das demais economias emergentes contribui para essa elevação de preços.
Em sua obra “A grande onda: as revoluções dos preços e o ritmo da história” (1996), Hackett Fischer aponta as perspectivas de desordem política e distúrbios sociais como desdobramento do aumento dos preços da comida e da energia. No primeiro momento, o mergulho da mão de obra eurasiana nos mercados de trabalho globais e as melhores condições materiais nos demais mercados emergentes ampliaram as dimensões do consumo de energia, comida e insumos básicos, acelerando a brutal elevação de seus preços em relação aos salários em todo o mundo.
No momento seguinte, esses aumentos de preços realimentam os custos de produção ao longo de toda a cadeia de suprimentos, infectando o organismo econômico com a mais perversa e intratável doença inflacionária: o “cost-push”.
Duas condições particulares da crise contemporânea tornam o cost-push especialmente virulento. A primeira é que a economia global perdeu suas âncoras monetárias. A sistemática desvalorização do dólar, que há pouco tempo exercia inquestionável papel de moeda reserva da economia mundial, impulsionou o encarecimento de alimentos, energia e insumos básicos. Como o dólar não para de perder valor, os preços de comida e energia também não param de subir quando expressos na moeda americana.
O mundo vive dias tensos por falta de energia e alimento. E o Brasil pode ter muito de ambos.
A segunda condição que deverá agravar os efeitos do cost-push é a sinuca em que se encontram os bancos centrais, em razão das elevadas taxas de desemprego resultantes da grande recessão mundial de 2008-2009. Sentem-se obrigados a manter uma política de juros baixos para incentivar a criação de empregos, enquanto se acumulam as pressões de custo que dificilmente serão represadas nesse ambiente de crédito fácil e dinheiro barato. Os repasses de custos, a alta dos preços dos produtos finais, a queda do ritmo de vendas e a redução das margens de lucro serão inevitáveis. “Os preços sobem lentamente durante um período prolongado de prosperidade. Gradualmente, as populações percebem o aumento da inflação. As expectativas adversas aceleram substancialmente os aumentos de preços. Os salários ficam para trás”, registra Fischer.
Os distúrbios políticos no mundo árabe, do norte da África ao Oriente Médio, são fenômenos complexos. Mas ilustram os alertas de Gray quanto à origem dos conflitos neste século. E também a advertência de Fischer quanto às perspectivas de “crise cultural, colapso econômico, revolução política, guerras internacionais e violência social”. Nessa região do mundo, serão tempos revolucionários que vieram para ficar. “Um evento menor, que em outra época não teria maiores consequências, nas circunstâncias atuais torna-se o gatilho de uma gigantesca crise”, conclui Fischer.
O preço da comida e as novas tecnologias derrubam ditadores em série. Há o perigo de uma feroz disputa por petróleo. E também da ascensão política do fundamentalismo islâmico. Mas há a esperança de um aperfeiçoamento institucional rumo ao paradigma da democracia e dos mercados. E, nessa briga por comida e energia, cabe lembrar que o Brasil pode ter muito de ambas.
Publicado na revista “Época”
O título é repetitivo entre as coisas úteis de alguma forma o que é pouco é caro… (e vice-versa)…
Para mim o problema da fome hoje tem muito mais a ver com política do que com tecnologia ou economia, países com um mínimo de democracia e que abraçam os avanços da ciência melhoram muito a alimentação de sua população…