Larry Rohter, o jornalista americano que protagonizou um dos episódios mais vexaminosos do governo brasileiro contra a liberdade de expressão em 2004 – quando foi ameaçado de expulsão do Brasil por ter dito numa reportagem que o presidente Lula bebia demais -, está lançando um novo livro: “Brazil on the Rise”. Confira a entrevista que ele concedeu ao jornal “O Estado de S. Paulo”:
Por Ubiratan Brasil:
“Desde outubro, o jornalista americano Larry Rohter não vem ao Brasil, onde foi correspondente do diário The New York Times entre 1999 e 2007. Mas o País ainda está presente em sua rotina: na última quarta-feira, ele lançou nos Estados Unidos o livro Brazil on the Rise (algo como Brasil em Ascensão) pela editora Palgrave Macmillan. Trata-se de uma introdução às virtudes e às mazelas nacionais para o público estrangeiro, notadamente o dos EUA.
“Há um interesse crescente sobre o Brasil”, comenta ele ao telefone, de Nova York, ainda com sotaque carioca. “Começo uma turnê no dia 12 e vou dar palestras em cidades que antes não se importavam com o seu país, como Denver e Salt Lake City. Agora, há uma elite interessada.” Leia o restante da conversa.
Por que você decidiu escrever essa obra?Terminado meu primeiro livro, Deu no New York Times (Objetiva), eu tinha ideia de fazer algo complementar. Aquela era a visão de um estrangeiro sobre o País. Agora, o público alvo é o de língua inglesa, que não conhece o Brasil e só ouviu falar de carnaval, Amazônia, queimada, futebol, Pelé, garota de Ipanema. Não conhece o processo de mudanças profundas e quer saber mais sobre o País.
Como trata do incidente ocorrido em 2004, quando você quase foi expulso do Brasil depois de ter publicado um texto no New York Times que dizia ser o presidente Lula um consumidor de cerveja, uísque e cachaça?
Ocupa um parágrafo apenas. Para mim, é passado. E tem pouco a ver com o Brasil atual, pois o livro visa ao futuro. O incidente foi superado. Eu não achei tão relevante assim voltar a falar nisso. Não foi tão contundente fora do Brasil. Foi um momento delicado dentro do País. Comento o incidente num contexto: as instituições brasileiras funcionaram devidamente, ou seja, não fui expulso. A imprensa agiu sobriamente, mesmo não gostando da matéria. Um país democrático funciona assim.
Você aponta semelhanças entre Lula e George W. Bush, como a falta de curiosidade intelectual de ambos. Bush, hoje, vive uma espécie de ostracismo. Assim, o que esperar do futuro de Lula?
Essa é a pergunta que vale milhões de dólares (risos). Eu especulo um pouco no livro. O futuro dele depende do resultado das eleições de outubro. Se o Serra vencer, o Lula automaticamente se lança candidato para 2014. Ele não quer viver aposentado, sentado na varanda de sua casa. Pretende continuar atuando com a política. Com o governo Serra, ele volta a ser candidato. Mas, com Dilma, é mais difícil prever o que vai acontecer: será que ela abriria mão da reeleição para que Lula realizasse seu desejo de voltar ao poder? Outra questão: será que Dilma vai, de fato, presidir o País ou Lula ficará controlando tudo nos bastidores? Acho que ninguém, neste momento, tem elementos para saber o que vai acontecer.
E como poderá ser o ministério formado para o governo da Dilma?
A questão está em saber como ela vai negociar com as várias facções do PT, pois é uma recém-chegada ao partido, com menos de uma década de militância, ao contrário dos 30 anos de Lula, que continua mais popular que o próprio partido. Mesmo no poder, ela teria prestígio necessário para controlar seus partidários?
Até que ponto é prejudicial essa realidade brasileira, em que os políticos são mais valorizados que os partidos?
Isso é reminiscência do clientelismo da época de Getúlio Vargas, ou seja, o líder que conserta tudo. O que acho curioso na atual campanha é o fato de nem Serra nem Dilma serem carismáticos – até certo ponto, são antipáticos, embora com evidentes qualidades. Assim, no livro, coloco uma questão: a atual campanha seria uma aberração ou significa uma mudança fundamental na política brasileira?
Aécio Neves seria o mais promissor entre os jovens líderes?
Bem, não penso em outros nomes. Ele tem um background formidável, a começar pela experiência herdada do avô, Tancredo. E os próximos anos darão ao Aécio uma plataforma para se projetar no cenário nacional. Ele é reconhecido pelas pessoas que acompanham política, mas não pelo povão. Assim, o Senado será o caminho ideal para conquistar esses eleitores.
Em sua opinião, qual seria o modelo de dirigente para o Brasil?
Alguém com conhecimento de economia, com bons instintos políticos e algum conhecimento de política internacional. São três elementos fundamentais. O Brasil terá um papel importante externamente.
E até que ponto a posição do governo brasileiro em relação ao Irã foi prejudicial?O incidente com o Irã, ou seja, o acordo com a Turquia, foi uma tentativa do Brasil de jogar com os grandes. Foi malsucedida, talvez mal concebida: ainda não entendo como ocorreu o descompasso de comunicação entre o governo Obama e o Itamaraty. Acredito que o Brasil terá um papel construtivo na ONU como potência regional, pois é um interlocutor cada vez mais importante e útil. Mas o processo de aprendizagem é difícil – nós, americanos, ainda fazemos bobagens. Isso requer tempo e experiência. Assim, mais fracassos são esperados, mas terão valor se servirem como lição. Aproveito para esclarecer que sou grande fã do Itamaraty. A diplomacia brasileira é de altíssima qualidade.
Como o governo Obama acompanha o processo sucessório do Brasil? Há simpatia por alguma tendência?
Teríamos de esperar o resultado, mas há dados interessantes. Por exemplo, Obama recusou um convite do Lula para visitar o Brasil antes da eleição, o que pode significar um sinal de que não estaria avalizando a candidatura da Dilma. Uma situação bem diferente da de 2002, quando a embaixadora americana Donna Hrinak afirmou que Lula representava o sonho americano. Foi um tipo de apoio implícito à sua candidatura. Na atual campanha, não houve nada semelhante. Mas é fato que o governo Obama está perplexo com o governo Lula.
Por quê?
Esperava-se um relacionamento mais íntimo, mais cordial, menos problemático. Tenho conhecidos no governo americano que me pedem explicações sobre o comportamento do Lula. Quero dizer, houve incidentes em que o governo brasileiro se comportou de uma maneira fora do comum.
Cite exemplos, por favor.Durante um discurso, que aconteceu no início do ano no Itamaraty, para alunos do Instituto Rio Branco, Lula zombou da (secretária de Estado) Hilary Clinton e imitou sua voz. Ele contava como ela tentou entrar em uma reunião reservada para chineses, indianos e brasileiros, em Copenhagen, em dezembro passado. (Imitando) “Mas eu sou a secretária de Estado!” Isso caiu muito mal. É bem o estilo do Lula, mas não é diplomático. Claro que nenhum país sério vai orientar sua política com base em uma reação pessoal, mas isso deixou os americanos perplexos.
Mais algum?
Sim. Aconteceu durante o primeiro contato do staff de Obama com o governo brasileiro. Foi em 2008, quando eu cobria a campanha americana: a conversa, que se esperava reservada, acabou vazando para uma conhecida coluna de notícias de um jornal brasileiro. No texto, o Itamaraty se vangloriava de um candidato americano ter mantido contato com o governo. Nos Estados Unidos, é normal esse tipo de sondagem – o que não é normal é o vazamento da história. Eu me lembro que um dos assessores do Obama me perguntou: “Eles são sempre assim?” Respondi que não.
E o que dizer da atuação brasileira na crise de Honduras?Foi algo que deixou uma certa amargura em ambos os lados. Começaram como aliados e terminaram com alguns atritos. Também evidenciou a habilidade do Hugo Chávez, que conseguiu abrir uma brecha entre Estados Unidos e Brasil.
Aliás, a saída de Lula do cenário internacional como presidente favorece a projeção de outros líderes latinos como Chávez?
Não, porque o Brasil é a oitava economia do mundo enquanto a Venezuela depende do petróleo. Não bastasse isso, o mundo está cansado das palhaçadas do Hugo Chávez, inclusive os países amigos. Ao mesmo tempo, o peso econômico e geopolítico do Brasil é crescente e fatalmente dominará a América Latina.
Um problema que parece insolúvel é a corrupção endêmica e institucionalizada.
É algo complicado que o País precisa resolver, caso contrário o investidor estrangeiro vai ter dúvidas. Ninguém quer pagar propina para ganhar uma licitação. Nesse ponto, o governo Lula representa um retrocesso. Lembre-se que, quando chegou ao poder, em 2002, ele prometeu uma nova era de transparência, de honestidade no governo. E o que experimentamos em oito anos de governo? Uma infinidade de escândalos. Claro que há mais visibilidade, a imprensa tem conseguido denunciar, mas, com o crescimento econômico, as possibilidades de corrupção aumentam. É preciso um controle severo. Daí a importância dos movimentos cívicos – os brasileiros parecem cada vez menos conformados com a corrupção. E, se conseguirem eleger um governo honesto, o País dará um salto enorme.
Qual a vantagem de o Brasil ser sede da Copa do Mundo em 2014 e da Olimpíada no Rio, dois anos depois?São oportunidades incríveis de o Brasil se projetar, como fizeram Tóquio na Olimpíada de 1964, Seul em 1988 e Pequim em 2008. O fracasso, porém, pode ser muito desastroso. O atraso na construção de novos estádios para a Copa tem relação com a campanha presidencial, pois o futuro governo vai assumir a responsabilidade. Já sobre a Olimpíada, há o agravante de o País ter feito idênticas promessas para os Jogos Pan-americanos, em 2007, e não ter cumprido. O beisebol, por exemplo, esporte que interessa muito aos Estados Unidos, não teve o cuidado necessário: o estádio quase ruiu com o vento e a chuva e não havia jogos noturnos por causa da iluminação deficiente. Ainda há a segurança: o incidente envolvendo o hotel Intercontinental no Rio, há algumas semanas, levantou dúvidas sobre o controle da polícia. Para ser um hóspede de altíssima qualidade, o País precisa cuidar disso. A melhor maneira de projetar um Brasil sério e moderno é cumprir com a palavra.”
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