Para muitos, a indicação de Sérgio Moro para a pasta da Justiça foi um tremendo acerto do ponto de vista político.
A classe jurídica, no entanto, parece mais preocupada. Além de apontarem para o risco de questionamentos à Lava Jato, preocupam-se com a ênfase ao combate à corrupção, que tem sido bem encaminhado, em detrimento de se priorizar outros temas urgentes, como a segurança pública.
Oscar Vilhena aponta que um grande desafio será reformar as Polícias Civil e Militar, e o sistema penitenciário. São agendas difíceis que esbarram na esfera dos governadores.
Na intersecção entre economia e direito, mais desafios. A insegurança jurídica no País é grande e prejudica o funcionamento da economia, particularmente os investimentos e o mercado de crédito. O resultado é menor produtividade, crescimento e geração de empregos.
É grande a lista de decisões controversas do Judiciário e de órgãos de controle, o que exigirá do titular da Justiça o entendimento de temas de direito econômico e capacidade de interlocução com outras instâncias de Poder.
O mercado de crédito bancário sofre com a dificuldade de execução de garantias e recuperação de ativos. De acordo com o Banco Mundial, apenas 15% dos créditos garantidos são recuperados no Brasil em caso de falência, comparado a uma taxa média de 33% no mundo. No Chile, são 34%, na Colômbia, 69% e nos EUA, 79%. A razão está nas decisões de juízes que protegem exageradamente o devedor inadimplente, sem considerar o impacto perverso de se desrespeitar contratos neste mercado. Além disso, o tempo gasto para recuperação de garantias é também mais elevado: 4 anos no Brasil, ante 1,8 de países emergentes. O resultado é o crédito mais caro, pelo seu risco elevado, e mais escasso. Um país mais pobre, portanto.
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O mesmo raciocínio vale para a questão do distrato no mercado imobiliário, que é quando o comprador do imóvel desiste do negócio, obtendo devolução integral ou parcial dos recursos. As decisões judiciais são baseadas em súmula do STJ. Se por um lado apenas 30% dos distratos são motivados por incapacidade de pagamento, por outro ele compromete a saúde financeira das construtoras, inibindo o crescimento do setor e a oferta de moradias. Protege-se indevidamente alguns e todos os demais perdem.
O baixo investimento em infraestrutura, que mal compensa a depreciação, reflete em boa medida a insegurança jurídica no setor. Carlos Ari Sundfeld ensina que ela decorre de excessos da ação estatal assentados no direito público brasileiro, em várias direções: nas normas legais e exigências nas licitações; na ação jurídica por meio de atos diversos e contraditórios; no poder de ingerência de órgãos de controle que afetam a execução de projetos; e nas mudanças nos contratos na fase de execução. Segundo o especialista, será necessário reformar normas e leis para promover mudanças rápidas no mundo jurídico, de forma a reduzir a disfuncionalidade dos instrumentos de controle estatal.
O contencioso tributário no Brasil é provavelmente o mais elevado no mundo, segundo Bernard Appy e Lorreine Messias. Algo na casa de R$ 4 trilhões ou 66% do PIB. Esse quadro produz insegurança jurídica que desestimula a produção e o investimento.
O elevado contencioso tributário reflete, em boa medida, a complexidade de regras tributárias e o processo ineficaz de solução de conflitos. Como há muitas regras constitucionais, muitas vezes o STF é acionado.
Os pesquisadores apontam a necessidade de haver maior qualidade das normas tributárias, de uniformizar e consolidar a jurisprudência entre os tribunais, sem retroatividade, e de haver maior transparência por parte dos órgãos fiscalizadores na interpretação e aplicação das leis.
Serão muitos os desafios do próximo ministro da Justiça. São temas urgentes, ainda que distantes dos holofotes. Se negligenciados, o ganho político de agora poderá se esvair.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 08/11/2018