A primeira eleição sob a vigência da nova clásula de desempenho aumentou de 25 para 30 o número de partidos na Câmara nos Deputados. No Senado, a fragmentação não é muito diferente: são 21 partidos. Quem quer que seja o novo presidente – com probabilidade maior, Jair Bolsonaro – terá que montar uma base que lhe permita governar a partir dessa confusão.
Duas caraterísticas têm sido apontadas no Parlamento eleito no domingo. Primeira, a renovação. Pelas contas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), apenas 49% dos deputados se reelegeram, a menor taxa desde pelo menos 1994. No Senado, apenas 8 dos 32 que tentaram um novo mandato conseguiram.
Isso não quer dizer que os 243 eleitos deputados pela primera vez sejam propriamente novatos na política. Muitos eram vereadores, deputados estaduais ou já ocupavam cargos na máquina pública. Mesmo assim, nomes como Kim Kataguiri (DEM) ou Tábata Amaral (PDT) contribuirão para rejuvenescer o rosto da política brasileira.
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A segunda característica é a nítida inclinação conservadora do novo Parlamento. Pela primeira vez desde a redemocratização, partidos identificados com o campo que se convencionou chamar de direita terão presença majoritária sólida na Câmara e forte também no Senado.
O novo Congresso marca o fim da hegemonia das legendas oriundas do combate à ditadura, em especial PT, MDB e PSDB, cujas bancadas somadas encolheram quase 30% para menos de 120 cadeiras.
No lugar deles, o destaque óbvio é a ascensão do PSL, de Bolsonaro, cuja bancada soma 52 deputados (antes eram 4) e 4 senadores (antes nenhum). A ele se somam deputados que integram a base evangélica, aqueles que defendem o liberalismo econômico e os tradicionalmente identificados com a segurança pública. Foram eleitos ao menos 22 deputados (eram 10) e 3 senadores com vínculo militar.
Para Bolsonaro, seria mais bem mais fácil montar uma coalizão capaz de governar do que para Haddad. Seu líder informal para negociar com o Congresso, o deputado Ônyx Lorenzoni (DEM), falou que 300 parlamentares já declararam apoio ao novo governo, caso o segundo turno confirme a eleição de Bolsonaro.
Partidos declaradamente identificados com o projeto dele – PSL, PRB, PR e outras siglas menores – somam 148 eleitos. Formariam o núcleo do governo. Partidos declaradamente contrários – PT, PDT, PSB, PCdoB, PSOL e siglas menores – somam 160. Seriam o núcleo da oposição.
No meio, há um centro com tendência a alinhamento com o governo, dependendo do tipo de acordo e projeto, incluindo partidos como PSD, DEM, Podemos ou PTB. Esse bloco soma 142 eleitos. Se vencer, Bolsonaro teria aí 290 votos, ainda insuficientes para somar os três quintos (308) exigidos para aprovar emendas constitucionais.
Por fim, restam, encolhidos, dois partidos tradicionais, MDB e PSDB, com 63 deputados que poderão ser decisivos para aprovar as reformas. A importância deles cresce no Senado, onde continuam a ter as maiores bancadas, com 12 e 9 cadeiras respectivamente.
No Senado, a situação de um futuro governo Bolsonaro seria bem menos confortável que na Câmara. As mesmas legendas que lhe garantiriam 290 deputados somam menos de 40 senadores, insuficientes até mesmo para aprovar leis ordinárias. A bancada anti-Bolsonaro tem pelo menos 20 senadores. Sem os 21 de MDB e PSDB, nenhum presidente conseguiria aprovar nada.
Haverá um claro incentivo, tanto ao Executivo quanto ao Legislativo, para um acordo que permita ao governo funcionar, pelo menos no início. É natural, também, que os recém-eleitos integrantes do novo Parlamento tentem aprovar itens da agenda conservadora, como a facilitação ao porte de armas, o projeto Escola Sem Partido ou a redução da maioridade penal
Mas a realidade poderá frustrar os mais afoitos. A economia será o primeiro item da pauta quase por gravidade. Uma vez no Planalto, o novo presidente, quem quer que seja, terá de encontrar uma forma de aprovar a reforma da Previdência (caso Temer não consiga fazer isso para ele até o fim deste ano) e de reequilibrar as contas públicas o mais rápido possível.
O avanço na agenda econômica dependerá do grau de apoio que o novo presidente obtiver, sobretudo no MDB e no PSDB. Só no momento em que a casa estiver em ordem, o Parlamento terá espaço político para as “guerras culturais” que opõem direita e esquerda no mundo todo. Ter ambas representadas por partidos legítimos e capazes de mobilização popular é uma ótima notícia para a democracia brasileira.
Fonte: “G1”, 09/10/2018