A ineficiência do sistema Judiciário brasileiro é flagrante. Basta notar a quantidade de processos que temos em curso em nosso país e acompanhar a lentidão com a qual eles são analisados e julgados. Assim podemos ter um panorama do complexo problema que perpassa todo o nosso sistema de Justiça. É evidente que muitos desses problemas vão ser agravados, por exemplo, com o impedimento da prisão de condenados após decisão em segunda instância, na medida em que isto aumenta a quantidade de contestações em tribunais superiores como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF).
Este quadro é ainda mais grave se compararmos o caso do Brasil com a forma como julgamentos são conduzidos em outros países, até mesmo nos nossos vizinhos da América Latina, onde todo o processo de julgamento e condenação é mais ágil, garantindo a prisão dos condenados e diminuindo consideravelmente a possibilidade de protelação dos casos. O ponto que trazemos hoje aqui, caro leitor, é que isto custa dinheiro. O nosso dinheiro. Vamos olhar isto com um pouco mais de cuidado.
Como veremos abaixo, a maioria dos países autoriza a execução da pena após a sentença em primeiro grau e, garantido o direito do preso em recorrer da sentença, ele o faz já na prisão. Há casos também, como o de Portugal e França, em que a prisão é permitida somente após o julgamento de todos os recursos, mas com a diferença de que, diferentemente do Brasil, não existem tantos recursos assim. Nosso país, atualmente, dispõe de mais de trinta tipos diferentes de recursos. De acordo com o subprocurador geral da Justiça do Ministério Público de São Paulo, o professor de processo penal Sérgio Turra Sobrane, o problema é ainda mais grave pela possibilidade de repetição do uso dessas medidas judiciais. Ele afirma que temos muitas vezes “os embargos dos embargos dos embargos, e isso não termina nunca. Os processos ficam numa repetição de teorias argumentativas que só atrasam o desfecho das causas.”
E, pelo visto, isto acontece apenas no Brasil. A coordenadora da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão (Criminal), do MPF (Ministério Público Federal), Luiza Cristina Frischeisen, em artigo publicado no livro “Garantismo Penal Integral”, afirma que “Se o STF decidir que a prisão ocorra somente após o trânsito em julgado, o país ficará extremamente isolado, em matéria penal, entre outros países democráticos. Uma decisão nesse sentido favorece a impunidade”.
Veja como funciona a execução da pena em outros países:
Alemanha
Não dispõe de recursos aos tribunais superiores que permitem liberdade, o réu aguarda preso.
Argentina
Execução da pena imediatamente após sentença em primeiro grau.
Canadá
Execução da pena imediatamente após sentença em primeiro grau. Fiança possível em alguns casos.
Espanha
Execução da pena imediatamente após sentença em primeiro grau.
Estados Unidos
Prisão é executada após sentença em primeiro grau, em alguns casos o preso pode aguardar o julgamento em liberdade com o pagamento de fiança.
Inglaterra
O condenado aguarda o julgamento enquanto cumpre a pena.
Um ponto importante a ser levado em consideração é o tempo que cada um desses processos leva para chegar na primeira instância e, em caso de recursos, o tempo total para que o julgamento seja finalizado nas terceira e quarta instâncias. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a tramitação dos processos em primeira instância pode levar de três anos a quatro anos e sete meses.
O trâmite mais lento é dos processos envolvendo crimes dolosos contra a vida, como homicídio.
No caso, do STF e STJ, os recursos julgados levam, em média, de quatro meses a um ano.
Um sistema que, além de lento, é caro
Ora, mas dizer que o sistema Judiciário brasileiro não consegue corresponder às expectativas da população é chover no molhado. O principal problema está para além da quantidade excessiva de processos e da lentidão com que eles são julgados: o pior de tudo é que nosso Judiciário é o mais caro do mundo. E ele não é caro só com o que se gasta com juízes, desembargadores, ele é caro porque toda sua estrutura é pouco eficaz. Pelo menos é o que aponta o ex-ministro do STF, Cezar Peluso: “O Brasil é o único país do mundo que tem, na verdade, quatro instâncias recursais. O STF funciona como uma quarta instância.” O resultado disso é que, dependendo da pretensão e da insatisfação com o acórdão das instâncias inferiores, o Supremo passa a ter a função de solucionar um problema, sendo que sua função constitucional não é essa, mas apenas a de guardião da Constituição Federal, levando em conta apenas as causas constantes do art. 102 da Carta Magna. Em outras palavras, o STF se torna, na prática, uma instância para corrigir erros e omissões de outras instâncias.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), as despesas totais do Judiciário somaram, em 2016, cerca de 85 bilhões de reais, o que é o equivalente a 1,35% do PIB nacional. Em comparação com outros países, podemos ver que nosso judiciário chega a custar 9 vezes mais do que, por exemplo, EUA e Inglaterra.
Para se ter uma ideia, os órgãos judiciários chegam a custar aos cofres públicos cerca de 2 bilhões de reais por ano. Sendo 485 milhões dentro das despesas do STF, segundo dados de novembro de 2019, e 1,6 milhão do STJ, segundo dados de 2018. No caso do STF, grande parte desses gastos são de funcionários contratados que chegam a marca de 2450 pessoas, dentre elas 1216 funcionários propriamente ditos, 306 estagiários e 959 terceirizados.
Um bom exemplo (de como protelar um julgamento)
Se é verdade que a grande quantidade de recursos do judiciário brasileiro serve apenas para protelar a prisão de condenados, precisamos entender de que maneira isto é feito. Um bom exemplo está no caso do ex-senador Luiz Estevão. Em 1992, ele foi condenado por desviar R$ 169 milhões. Depois de apresentar mais de 30 recursos aos tribunais superiores, teve o seu processo estendido durante o período de 24 anos, tendo ele sido preso apenas em 2016. E isto parece não acabar nunca: em 2018, ele apresentou um outro recurso em que simplesmente junta cópias de dezenas de decisões judiciais anteriores, que confirmaram sua condenação, sustentando ter havido erro judicial. Para se ter uma ideia, ele já teve 38 recursos negados no total.
Para evitar isto, por exemplo, é que se propôs a prisão após a segunda instância, na medida em que, após este ponto, só o que o STF faz é julgar a constitucionalidade do processo e se, no caso, ele cometeu algum abuso ou vício no decorrer do julgamento. A intenção é que os recursos deixem de ser dispositivos de evitar que condenados sejam presos, estendendo o processo pelo máximo de tempo possível. A questão é que o STF vem mudando de opinião em relação a este assunto desde 2009.
Em 2009, o STF determinou que o réu só podia ser preso após o trânsito em julgado, ou seja, depois ter havido julgamento em todas as instâncias. Antes do esgotamento de recursos, ele poderia no máximo ter a prisão preventiva ou provisória decretada contra si. Já em fevereiro de 2016, o Supremo decidiu que um réu condenado em segunda instância já pode começar a cumprir sua pena – ou seja, o réu pode parar na cadeia mesmo enquanto recorre aos tribunais superiores. Naquele momento, a regra foi aplicada ao caso de um réu específico. No mesmo ano, o STF reafirmou a decisão, que passou a ter validade para todos os casos no Brasil. Entretanto, este ano, o STF voltou a entender que um condenado só pode ser preso após o trânsito em julgado, decisão que permitiu, por exemplo, a soltura do ex-presidente Lula.
O desdobramento disto é que, não bastasse o grande impacto econômico que a justiça brasileira tem em nossos cofres – que chega a 1,8% do PIB, ou seja, R$ 110 bilhões por ano, quase o orçamento do Ministério da Educação – esta decisão da prisão somente após o esgotamento de todos os recursos vai interferir diretamente nos condenados e ainda não julgados da operação Lava Jato, podendo colocar em liberdade cerca de 4,9 mil presos, segundo dados do CNJ. Estima-se, também, que cerca de 100 mil processos chegam ao STF anualmente, com muitos casos que poderiam ter sido decididos anteriormente, dando prioridade a casos de maior complexidade e que necessitem de maior cuidado na avaliação. O fato é que o Brasil conta apenas com 8,2 mil magistrados para 100 mil habitantes, uma das últimas posições nesse quesito do mundo.
O impedimento de que recursos de casos criminais chegassem a passar de segunda instância poderia representar uma boa aceleração do sistema assim como uma grande economia aos cofres públicos, levando o Brasil a ter uma redução de até dez vezes nos gastos judiciais, equiparando-se as despesas de países como a Argentina que consome cerca de 0,12% do PIB. Como sempre, estamos diante novamente de um caso de mau uso do dinheiro público, problemas de gestão e pouca transparência. Com uma máquina judiciária tão inchada e tão lenta fica difícil imaginar que estamos perto daquela coisa chamada justiça.
💡 Dica do Imil
Todos esses dados do Judiciário (envolvendo todos os seus setores, servidores e etc) podem ser encontrados dentro dos portais da transparência que temos disponíveis no país. No entanto, há uma dificuldade no acesso, na medida em que, em cada setor, ele está colocado de forma diferente e sem um padrão. Por conta disso, o Imil recomenda que você cobre mais transparência no Conselho Nacional de Justiça para que essas informações sejam disponibilizadas em locais de fácil acesso e com formas mais simples de verificação. Transparência também é isso.