Causou reação a recente declaração do ex-presidente Bill Clinton de que seria preferível aos mercados aceitarem um default do Tesouro por uns dias ante a percepção de um calote permanente e inevitável, fechando as portas aos títulos dos Estados Unidos.
Teria Clinton enlouquecido? Muito pelo contrário. Clinton foi o presidente americano, no pós-guerra, que livrou Tio Sam do vermelho e entregou a seu sucessor – George W. Bush – um orçamento superavitário e a dívida do Tesouro estabilizada.
Que teria motivado Clinton a tal declaração bombástica? Vamos a suas palavras: “Se fosse para calotear a dívida uma vez e por uns poucos dias, talvez não fosse calamitoso. Mas se as pessoas passarem a pensar que, de fato, não iríamos mais pagar nossas contas, aí sim, deixariam de comprar nossa dívida” (WSJ, maio 26, p.A16).
O sentido do pensamento de Clinton é inequívoco. Não fez previsão de calote. Mas afirmou que o desconforto causado por uma demora na aprovação, pelo Congresso, da elevação do limite do endividamento, atualmente em US$ 14,3 trilhões, como menos negativo do que se aprovar de qualquer jeito o novo teto, mas passando aos investidores a impressão de derrocada nas finanças do país.
Clinton fez, na prática, uma avaliação relâmpago do risco político da dívida americana, para concluir, sem dizer, que os EUA não são mais um país de qualidade de crédito triplo A. A nota máxima de uma classificação de risco de crédito só pode ser conferida aos países que desfrutam de uma exposição muito baixa ao endividamento público.
Não é mais o caso dos EUA, cuja dívida federal (computando a parte que lastreia sua previdência social) se aproxima de 100% do PIB. Os EUA são, hoje, um país de dívida alta. O argumento de que os EUA devem apenas na moeda em que emitem – poderiam, assim, emitir indefinidamente para pagar juros ao mercado – tampouco é válido quando o volume de sua dívida já ameaça a confiança em sua futura rolagem.
Clinton estava, de fato, tratando das bases reais de sustentação da confiança num bom devedor: a saúde fiscal de sua economia interna e capacidade do coletivo político de determinar rumos para o país. No momento, os Estados Unidos não preenchem tais pressupostos. O déficit orçamentário federal é de 11% do PIB e pelo terceiro ano consecutivo.
Qualquer outra nação estaria na dieta de gastos do FMI. Entretanto, mais perigosa é a situação de conflito entre republicanos e democratas na questão dos caminhos para um ajuste fiscal. Recente levantamento feito pelo Peter Peterson Foundation junto a seis entidades de pesquisa mostra quão afastadas ficaram as posições entre “gastadores” e “poupadores”.
Os EUA já não têm certeza de querer para si um governo enxuto e eficiente. Estão no impasse que os imobiliza enquanto sua dívida explode. É esta a angústia do ex-presidente que tentou, com algum sucesso, equilibrar as finanças do seu país, para ver, agora, seu partido derrotado pela crise financeira.
Pior: este é o sistema político que insiste em aprovar o próximo programa de caças supersônicos F-35, pela bagatela de um US$ 1 trilhão, enquanto o orçamento projetado para a década prevê déficit médio de US$ 900 bilhões por ano! Impossível prever uma recuperação econômica efetiva nos Estados Unidos enquanto perdurar a síndrome de confiança bem denunciada por Bill Clinton.
Fonte: Brasil Econômico, 03/06/2011
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