Diplomata de carreira. A opinião expressa no artigo é exclusivamente do autor e não reflete a posição do Ministério das Relações Exteriores.
Cerne do pensamento liberal, a crítica à ação do Estado como promotor do desenvolvimento econômico e favorecedor de grupos da população encontra, nos dias de hoje, caso especial de aplicação no âmbito das potências emergentes no cenário internacional. Governos de países como China, Índia e Brasil vêm instituindo políticas de estímulo à internacionalização de empresas, fenômeno que ganhou força natural no mundo em desenvolvimento no fim do século 20.
A tendência no Brasil é de expansão do volume de recursos públicos despejados em empresas dispostas a se internacionalizar, como se depreende do documento Termo de referência: internacionalização de empresas brasileiras, elaborado sob a coordenação da Câmara de Comércio Exterior e publicado em dezembro de 2009. É prudente, assim, analisar o assunto — e aplicar-lhe a crítica liberal.
Por meio do BNDES, o Estado desembolsou R$ 8 bilhões em financiamentos para internacionalização de empresas de junho de 2005 ao início de 2010. É um montante superior ao orçamento dos ministérios da Cultura, do Desenvolvimento, do Esporte e das Relações Exteriores, para o mesmo período; ultrapassa o valor das verbas destinadas ao programa Minha Casa, Minha Vida para este ano; deve pouco aos R$ 9 bilhões a serem investidos na construção de portos até 2013. Não se trata de valor desprezível e, caso não se demonstrem as implicações negativas dessa política, nada evitará que trilhe sua trajetória de aprofundamento.
JBS-Friboi, Camargo Corrêa, Odrebrecht, Votorantim, Gerdau: exemplos de empresas que contam com o apoio do BNDES em sua internacionalização. Alegadamente servindo ao desenvolvimento econômico e à consolidação da imagem do Brasil como potência emergente, aquele apoio tem como principal consequência o fortalecimento de grandes corporações, para prejuízo do povo. Como afirma Roderick Long, em artigo publicado no site do instituto Ordem Livre, “em um mercado livre, as empresas seriam menores e menos hierárquicas, mais locais e menos numerosas; os preços seriam mais baixos e os salários mais altos; e o poder das corporações estaria em ruínas. Não é à toa que as grandes empresas, apesar de elogiarem com frequência os ideais do livre mercado, tendem a se opor sistematicamente a eles na prática”. Para se transformarem em grandes empresas, “dependem da intervenção estatal no mercado (…) como subsídios e socorros financeiros.”
Felizmente, não vivemos mais sob um regime de restrição a transações externas. Nada impede que empresas realizem operações no exterior. Se a internacionalização das empresas brasileiras, por ausência de financiamento, não desfruta do vigor que se considera proporcional à pujança da economia nacional, a medida cabível não é utilizar a coerção do Estado para arrancar dinheiro do povo e emprestá-lo, a taxas subsidiadas, às corporações. Se o custo de captação de recursos no mercado inviabiliza movimentos de internacionalização, é de se pensar que o empurrãozinho do Estado produz investimentos externos artificiais, para a miséria pública e os benefícios privados.
Ainda que os financiamentos do BNDES se convertessem em impulso ao desenvolvimento, deveríamos apoiar a política de fortalecimento da Marca Brasil? Que sociedade ajudamos a constituir, ao sinalizarmos que a solução dos problemas comuns deve ser obtida não por transações voluntárias entre indivíduos, mas por uma instituição caracterizada pelo uso da força? Como o cronista americano Albert Jay Nock ressaltava, o verdadeiro liberal não observa só o fim imediato, mas os meios empregados para alcançá-lo.
O incentivo público à internacionalização de empresas representa meio equivocado e perigoso de se concretizar o objetivo de consolidação da imagem do país como potência emergente. Já são R$ 8 bilhões transferidos para grandes empresas, em operações artificiais de inserção externa. A tendência é de aprofundamento dessa “cooperação” compulsória para fortalecer a Marca Brasil. Nada mais apropriado do que recordar a principal lição no estudo da política, segundo Nock: “O poder que é dado ao Estado para fazer coisas para você implica um poder equivalente para fazer coisas contra você”.
Fonte: Jornal “Correio Braziliense” – 31/08/10
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