Muita gente ficou assustada no começo do ano ao perceber que o Tesouro teria de rolar R$ 643 bilhões da dívida interna mobiliária entre janeiro e abril de 2021. Por causa dos gastos extraordinários, a dívida cresceu R$ 1,1 trilhão no ano passado, praticamente o mesmo que aumentou no acumulado dos três anos anteriores. Os mais afoitos alertavam para o risco de insolvência do Estado e viam no aumento das taxas de juros de longo prazo um indício de que o mercado poderia não rolar a dívida. Tolice. Sem traumas, o Tesouro refinanciou a dívida com o perfil que achou adequado. Se precisasse encurtar mais o prazo, o beneficiado seria ele mesmo, já que as taxas para prazos mais curtos eram mais baixas.
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A Moderna Teoria Monetária (ou MMT, na sigla em inglês) deixou os muros acadêmicos e ganhou projeção com a eleição do presidente Biden. Ela não abre mão de ser provocativa, como qualquer conjunto de ideias que desafiam o consenso ortodoxo. Em The Deficit Myth, Stephanie Kelton apresenta a tese ousada de que o governo não depende de impostos para financiar seus gastos. Para Kelton, a restrição para o aumento do déficit é a inflação, dado que o governo sempre poderá se endividar na moeda que ele mesmo emite. Logo, não faz sentido comparar as finanças de um Estado soberano com a situação financeira de uma empresa. Os economistas se esfolam discutindo as diatribes da MMT. Em Problems with Modern Monetary Theory, Robert Wenzel achincalha o livro de Kelton e afirma que sua leitura desperta apenas um sentimento de horror absoluto.
Enquanto isso, aqui, em Pindorama, a discussão sobre a rolagem da dívida se dissipou. A previsão da relação dívida/PIB para o final de 2021, que provocava faniquitos no mercado, caiu de 93% na virada do ano para 83% agora. Até o Fundo Monetário Internacional (FMI) revisou sua previsão de déficit primário para este ano, de 3,4% para apenas 1,7% do PIB, bem mais otimista que a estimativa de 2,3% dos economistas brasileiros.
Antes de espoucar champanhe, no entanto, é bom lembrar que esta melhora deriva de fatores alheios à boa gestão do dinheiro público. É a elevação da inflação que explica a maior parte deste avanço. Entre maio de 2020 e maio de 2021 o PIB nominal estimado pelo Banco Central cresceu quase 25%. Nesse mesmo período, o nível de atividade, também estimado pela autoridade monetária, cresceu 14,2%, do que resulta uma inflação implícita de 9,4%. A arrecadação de impostos administrados pela Receita Federal, por sua vez, cresceu quase 98% no mesmo período. Afora a inflação, é provável que o redirecionamento do consumo das famílias do setor de serviços para produtos industriais tenha favorecido a arrecadação, dada a menor evasão fiscal na indústria. Isso sem falar que o aumento das compras pela internet também tende a reduzir a sonegação. Nos primeiros cinco meses de 2021 a Receita arrecadou R$ 122,6 bilhões, 33% a mais que no mesmo período de 2020.
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Se o fantasma da insolvência não existe, convém ficar assustado com o fantasma da inflação. Com o avanço da vacinação, o setor de serviços tem tudo para andar mais rápido. É a lentidão desse setor da economia que impede uma inflação ainda mais alta. Para um IPCA de 8,3% em 12 meses, a inflação de serviços está em 2,3%. Sem falar da pressão sobre os preços da crise energética que se avizinha. Tudo isso forçará o Banco Central a elevar mais rapidamente as taxas de juros, com o que o custo da dívida pública subirá de forma substancial e podemos voltar a discutir mais adiante, novamente, o fantasma da insolvência do setor público. De susto em susto, temos um carrossel de emoções. Sem direção, o que nos resta neste desgoverno é andar em círculos.
*ECONOMISTA, FOI DIRETOR DE POLÍTICA MONETÁRIA DO BANCO CENTRAL E PROFESSOR DE ECONOMIA DA PUC-SP E DA FGV-SP. E-MAIL: LUISEDUARDOASSIS@GMAIL.COM
Fonte: “Estadão”, 19/07/2021
Foto: Daniel Teixeira/Estadão