Comecei, nos dias de dezembro, a leitura de vários livros, inclusive o de Jonah Goldberg, Fascismo de esquerda (Editora Record) e mais uma vez tive a impressão de que o que chamo de poder transformador da linguagem é mais importante do que nunca.
Até a esquerda subir ao poder federal, em 2002, havia um enorme número de artigos em jornais, em periódicos científicos e, claro, em panfletos, publicados pelos intelectuais não liberais, sobre a necessidade da melhoria da qualidade da educação no Brasil. Estes artigos minguaram, desde então, e hoje há um certo marasmo na área. Mesmo concursos públicos incluindo questões com viés ideológico escancarado não merecem, da parte destes outrora combatentes intelectuais, uma mínima citação.
A necessidade da educação para o crescimento econômico é um fato mais do que conhecido e, no Brasil, foi corretamente apontado por Langoni, nos anos 1970. Economistas da oposição, na época, apenas repetiam mantras sobre a “substituição de importações”, e o mais famoso representante desta corrente, Celso Furtado, nunca citou a educação (“capital humano”, na linguagem técnica dos economistas) como central em suas ideias acerca do desenvolvimento econômico.
Mas embora o estoque de pessoas educadas em uma sociedade seja percebido como importante, pouco se tem discutido acerca da qualidade da educação recebida. A discussão é difícil e, recentemente, vemos alguns pesquisadores tateando o tema na literatura científica. Entretanto, um ponto importante — e aqui voltamos ao livro de Goldberg — tem permanecido longe do radar de nossos pesquisadores: a ideologia.
Em Fascismo de esquerda, logo no início do livro, deparamo-nos com uma detalhada explicação sobre o que o termo realmente significa. O livro trata do universo político norte-americano, um tema pouco familiar ao estudante brasileiro, acostumado com jargões pouco úteis disseminados por professores nem sempre bem preparados parar uma discussão séria sobre ideologias e política. O ponto mais interessante desta leitura inicial é a percepção de que há uma assimetria clara entre o que a esquerda norte-americana prega e o que faz. Em resumo, autores esquerdistas norte-americanos (o que, lá, é sinônimo de autores liberais, ao contrário do que se diz aqui no Brasil ou na Europa) buscam raízes fascistas em qualquer pensamento dissidente de sua ideologia (que se autoproclama progressista) sem se preocupar em entender as raízes fascistas de suas próprias idéias.
Eis a importância da ideologia na educação — ou na qualidade da mesma: ensina-se, no Brasil, que fascismo é uma coisa, socialismo, outra. Procura-se justificar o uso de uma camisa com a face de um assassino — Che Guevara — enquanto se proíbe a manifestação de um skinhead nazista. Não importa o fato de que ambos tenham as mesmas raízes; a discussão sobre o direito de se expressar é abortada de antemão porque alguém decidiu que um fascismo de esquerda é melhor que seu irmão à direita.
Goldberg não faz nada de original. George Watson, em seu — pouco conhecido do público brasileiro — The Lost Literature of Socialism [A literatura perdida do socialismo] — já havia mostrado como o pensamento supostamente progressista da esquerda deve muito a pensadores da corte nazi-fascistas. É claro que o fato de o pensamento de esquerda ter origens fascistas não torna todos os não liberais (no sentido em que nós, brasileiros, entendemos o termo liberal) adeptos de genocídios, embora seja verdade que a recente visita do presidente do Irã ao Brasil não causou tanta indignação entre os sempre barulhentos grupos de defesa dos direitos humanos ligados aos partidos de esquerda.
Mas uma pergunta importante permanece: por que os seguidores da doutrina não liberal insistem em tentar ideologizar exames públicos como o ENEM e outros concursos públicos se nem conseguem responder a uma pergunta simples sobre as origens comuns de sua ideologia e o fascismo? Aqui está o poder transformador da linguagem: a insistência em rotular tudo que é discordância do pensamento socialista de “fascista” conseguiu mesmo criar uma confusão, mas não na cabeça do aluno que faz o ENEM ou do profissional que faz um concurso público. Como sempre digo, o pior cego não é o que não quer ver, mas sim o que acha que vê.
(Publicado em “OrdemLivre.org”)
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