Condenado pela Justiça mexicana por vários crimes —além de ligação com o cartel La Família Michoacana—, Godoy Toscano foi eleito para a Câmara dos Deputados em 2009. Foragido por 15 meses, conseguiu escapar do cerco policial, adentrar o recinto da Câmara e tomar posse, recuperando o mandato do suplente e, mais importante, o “fuero”.
No Brasil as imunidades são ainda maiores do que no México, segundo o único trabalho empírico existente sobre o assunto, de autoria de Karthik Reddy (Universidade de Harvard) e coautores. Os pesquisadores construíram um índice de imunidade parlamentar para os 78 países que são considerados democracias.
No Paraguai e na Inglaterra, as imunidades aos detentores de cargos eletivos são, respectivamente, as mais amplas e as mais restritas. O Brasil está muito próximo do Paraguai. A América Latina é a região onde as imunidades parlamentares são maiores: todos os países no quintil superior da distribuição dos escores são dessa região.
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Jacques Lambert em 1963 sublinhou a relação inversa entre democracia e imunidade parlamentar. A relação é “endógena”: há mais imunidade onde a demanda é maior!
As imunidades na América Latina foram produto de uma coalizão de interesses associados à defesa do Parlamento contra o abuso de poder, por um lado, e de interesses voltados para assegurar a impunidade das elites quando seus interesses individuais estão em jogo, por outro.
Na medida em que os países se tornam menos autoritários, as questões relativas à “inviolabilidade” do mandato perdem valor e as voltadas para a imunidade enquanto obstáculo à ação do Judiciário adquirem maior importância.
O Brasil vinha em trajetória virtuosa com a aprovação da emenda à Constituição 35/2001, que eliminou a licença prévia para ação penal contra parlamentar. Mais ainda, com a decisão do STF, em 2016, permitindo a execução provisória da pena após julgamento em segundo grau.
Eis que a aprovação do instituto da delação premiada produziu um choque nessa trajetória virtuosa: o risco real para as elites deixou de ser o foro mas a prisão após decisão de segundo grau —condição sine qua non do novo instituto.
Aliança espúria entre garantistas e os que estão interessados em impedir a prisão de Lula a qualquer preço ameaça o equilíbrio. O preço a ser pago por sua liberdade —viabilizada por um casuísmo ou pela derrubada do instituto— é a derrocada do STF.
O precedente é o caso de Ronaldo Cunha Lima, que renunciou ao mandato de deputado (e ao foro), em 2007, quando o STF estava pronto para condená-lo, 14 anos após tentativa de matar o ex-governador Tarcísio Burity. Nunca foi preso.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 26/03/2018