Para além dos comentários apressados dos que querem deslegitimar os movimentos sociais organizados por cidadãos dos mais variados setores nas mais variadas cidades do mundo, e enfeixados sobre a legenda de Ocupe Wall Street, convém uma pequena reflexão.
No momento em que está sendo costurado um grande acordo entre governos da Comunidade Europeia e os bancos, quem vai tirar do bolso os recursos extras de quase um trilhão de euros para abater déficits insolventes dos países membros, se não os próprios cidadãos europeus pagadores de impostos e investidores? Trata-se de equilibrar e dar viabilidade a economias que não estão sendo bem geridas por governantes eleitos ou bem controladas pelos próprios cidadãos eleitores.
Cabe, portanto, a pergunta crucial sobre o estado da regulação dos mercados financeiros mundiais, e o exercício do controle social sobre os bancos centrais que visa justamente impedir que grandes corporações, incluídos bancos privados, extrapolem de seu poder econômico e político, numa relação promíscua com os governantes.
Esta é a questão que deságua no Occupy Wall Street, que não se refere apenas a uma ocupação física de uma praça em Nova York, mas a ocupação dos centros de decisões sobre políticas de privatização de recursos públicos do bailout e de socialização de prejuízos pelo corte generalizado de serviços públicos essenciais. Não cabe exigir uma agenda de propostas de políticas públicas dos movimentos sociais, como querem alguns cínicos, mas devem os cidadãos mais conscientes acompanhar os movimentos “Occupy” como fenômeno político rico, polissêmico e de consequências ainda imprevisíveis para a mudança da governança mundial. É de se frisar que, no meio disso tudo, surgem propostas concretas como extinção dos paraísos fiscais e a taxação de ganhos exorbitantes em bolsas. Como, por exemplo, o imposto Robin Hood. Uma proposta que nasceu na Inglaterra e que vem conquistando simpatizantes entre cientistas, economistas, celebridades, ambientalistas, ativistas sociais, e até mesmo alguns governantes europeus, megaempresários e banqueiros. Até o Papa se declarou favorável à ideia de se criar um imposto mínimo de 0,05% sobre transações financeiras para a formação de um fundo de reserva para combate à miséria e à especulação financeira transnacional. Resta saber quem vai gerir este fundo de reserva.
Trata-se de duas políticas públicas que deram certo no Brasil e que devem servir ao menos como inspiração para os gestores públicos europeus: uma legislação de responsabilidade fiscal para governantes e um imposto residual sobre grandes operações financeiras para as movimentações oportunistas do smart money, sobretudo para megaoperações com ativos em bolsas. Para não falar numa iniciativa de melhor governança das agências reguladoras multilaterais que, para além de monitorar governos e corporações, devem ser mais bem monitoradas pelas próprias organizações da sociedade civil. Mas o que está por trás destes movimentos da cidadania planetária pode ser interpretado também como a própria sobrevivência deste gato de sete vidas que é a economia de mercado capitalista. Se os liberais iluministas clássicos do século XVIII queriam defender a livre iniciativa (o freedom) contra a ganância monopolista do rei (o kingdom), hoje é urgente defendê-la das condutas desleais e predadoras das grandes corporações, com sua capacidade infindável de corromper governantes. Por isso é que não há possibilidade de reformas fiscais efetivas sem correspondentes reformas políticas que, ao lado das democracias representativas indiretas, venham a garantir meios e instrumentos mais eficazes de participação direta dos cidadãos. E que visem, sobretudo, a austeridade no trato dos orçamentos públicos e o comedimento na prodigabilidade assistencialista de governantes demagogos.
A propósito do nome Robin Hood Tax, aliás, cabe uma última e curiosa observação. Pois até mesmo a lenda de Robin Hood é controversa e comporta duas leituras. A liberal clássica, de cunho mais cristão, mais simplista e maniqueísta, que define o herói como aquele que rouba dos ricos para dar aos pobres. Já na visão liberal moderna, Robin Hood era contratado pelos barões ingleses para assaltar as carruagens dos coletores de impostos do rei e distribuir para os pobres o que consideravam uma carga tributária escorchante. Uma visão redistributiva e que muda totalmente o sentido da história.
Fonte: Diário do Comércio de São Paulo, 07/12/2011
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