O Brasil quer conhecimento e capital. Eles precisam de uma fonte segura de alimentos e minério
Impossível não recordar trechos da letra do impagável Raul Seixas após o acidente de Fukushima no Japão. Na primeira estrofe da música, Raul diz: A solução pro nosso povo eu vou dar/Negócio bom assim ninguém nunca viu/Tá tudo pronto aqui/É só vir pegar/A solução é alugar o Brasil. Passou algum tempo até o prognóstico do compositor se materializar. Mas hoje é evidente o enorme potencial de trocas entre o Brasil e os outros países, entre as necessidades deles e os nossos vastos recursos.
Por outro lado, há recursos de conhecimento e capitais ociosos do lado de lá, que aqui são mais escassos e podem ser mobilizados em nossa direção. Eles funcionariam como moeda de troca pelo acesso as nossas riquezas que, na metáfora abusada de Raul Seixas, seria o “mingau” pelo aluguel do nosso “quintal”.
Será que temos uma noção clara e um planejamento bem delineado da exploração inteligente e sustentável dos parques agropecuário e mineral brasileiros? Apesar de todos os esforços recentes de delimitação do campo de jogo, temo que ainda não. Passados cerca de 30 anos de avanço extraordinário da produção agrícola e pecuária desde 1980 (ano de crise de petróleo), o Brasil ainda largamente desconhece o que fez o agronegócio para salvar a economia brasileira do buraco, e o que ele ainda fará por nós no futuro.
Desde a grande crise da economia mundial anterior à atual, nos anos 80, é a agricultura que paga o cartão de crédito brasileiro no exterior. Desta vez, na era Lula, foi de novo o saldo comercial primário que propiciou a magnífica acumulação de reservas em moeda estrangeira, da ordem de US$ 300 bilhões.
E que têm a ver com essa história o terremoto e o tsunami no Japão? É que o risco de contaminação radioativa na tragédia atual e de repetição de novas catástrofes desse tipo, lá e em outros países, ressaltam a situação privilegiada do Brasil e da América do Sul como região estável, segura e capaz de fornecer alimentos e minerais em escala planetária. Com a demanda global crescente por essas mercadorias, o valor do aluguel só tende a aumentar…
Mas o mingau ainda está longe da nossa boquinha. Temos de elaborar melhor uma estratégia de longo prazo – que, para ser honestos, não temos –, de nos aproximar dessa demanda futura por suprimentos agindo como quem entende o jogo de interesses das nações até 2050.
Casar interesses é tarefa delicada e complexa. O Japão, país competentíssimo na inovação e na indústria, vai se reerguer. Será que contará com o Brasil nesse processo? Também por razões que remontam à nossa interessante história de absorção migratória, os países poderiam ser parceiros estratégicos ao trabalhar para garantir sua viabilidade futura. Em 2050 (raramente se ouve aqui alguém mencionar planejamento com horizonte tão longo), o Brasil poderá emergir com um tamanho até duas vezes maior, em termos de renda anual, que o Japão de hoje. Foram projeções que apresentei a um grupo de parlamentares japoneses em Tóquio em 2008, ao ressaltar a proximidade dos interesses de longo prazo dos dois países, apesar da grande distância física entre ambos.
O que ocorre hoje, no entanto, é que os olhos do Japão estão mais na China que no Brasil. Com isso, vejo uma crescente vulnerabilidade japonesa e uma tremenda perda de oportunidade de casamento para o Brasil. O episódio de Fukushima acabou de comprovar isso. Fora a cobertura da TV Globo, não se viu nada de mais inteligente ou denso sendo dito ou feito na direção de nos aproximarmos das angústias do Japão de hoje.
É uma pena, pois o valor das matérias-primas brasileiras não está apenas em poder produzi-las em seguidas safras recorde, mas na capacidade de o país garantir aos parceiros o abastecimento futuro. Os maiores desafios não estão no volume colhido, e sim na logística, nos financiamentos e nas tecnologias adequadas para a sustentação da produção por muitas décadas. Esse é o prazo do aluguel do Brasil a que se referia o sonhador Raul Seixas. Mas sua visão de futuro ainda é uma mera balada.
Fonte: revista Época, 28/03/2011
É uma pena que de fato não se atente a uma possível parceria Nipo-brasileira. Os próprios brasileiros não se mostram interessados em tirar bom proveito de uma relação desse tipo. O senso comum está de tal forma contaminado com a alucinação pela europa, os EUA e sua cultura, que a maioria desdenha países menos “populares” na mídia brasileira. Se o comodismo em não querer romper barreiras culturais, que se supõe haver entre os dois países por questões simplistas como língua ou cultura, vencer, o Brasil pode perder uma boa jogada em sua política internacional, que tanto se esforçou e indiferentemente fracassou o governo Lula.