Como a população não aguenta mais a falta de emprego, o presidente eleito sabe que não há mais espaço para erros crassos como os cometidos nos mandatos precedentes na área da economia. Sem soluções adequadas, o risco é minar rapidamente o capital político acumulado na emocionante virada de rumo que acabou de liderar e no enorme sacrifício pessoal a que foi submetido.
Mas não é fácil evitar erros. Bastou uma primeira reunião sobre Previdência, talvez o tema mais importante de sua agenda, para se amontoarem na grande mídia várias defesas da equivocada estratégia adotada pelo governo anterior.
Na verdade, há muito contra a Reforma Temer: (1) a virtual impossibilidade de aprová-la, a não ser sob condições muito especiais; (2) a inexplicável constitucionalização de vários dispositivos hoje inseridos em leis simples, o que dificultará a aprovação de qualquer mudança futura; (3) seu impacto financeiro, muito abaixo do que ocorreria se adotássemos, por exemplo, o conjunto de novas medidas infraconstitucionais já identificadas pela Consultoria da Câmara, com melhoria de gestão.
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A reunião visava a permitir que interlocutores qualificados explicassem algo que se tentou fazer em março, e que continuaria a ser a rota certa no momento atual, mas que foi barrado in limine pelo Ministério da Fazenda. Este talvez tenha alegado que, por melhor que fosse, não insistir na PEC seria malvisto pelo famigerado mercado. Pasmem: o que se defendia era a mera substituição da inaprovável PEC Temer por uma lei ordinária que poderia contemplar não menos que 70% das propostas inseridas naquela, em uma medida de bem menor exigência de quórum de votação. Quanto ao que realmente dependesse de PEC, deveria ser considerado em um momento mais oportuno à frente.
Só que hoje, as “viúvas” da equipe anterior já saíram em defesa da hipótese de o novo governo patrocinar novamente o reenvio da PEC Temer completa ao Congresso, o que, na verdade, ajudaria a desgastá-lo fortemente já na largada, pois teria chance zero de ser aprovada nesta legislatura, e, o que é pior, com vários dispositivos fora do rumo certo. Moral: ou se faz aos poucos, conforme as chances de aprovação de cada momento, ou se traz algo novo e completo, no início de 2019, dentro de uma adequada estratégia de negociação, sem medo de errar.
Como chegar na configuração correta? Conforme divulgado sábado em jornais, Bolsonaro sabe que na questão fiscal o alto gasto obrigatório é o “x” da questão, e Previdência é o item de maior peso na pauta. Nesse caso, conforme também reconheceu em uma das entrevistas, a “dentada” nos orçamentos é maior nos regimes próprios (União mais estados), que em breve explodirá se nada for feito, do que no Regime Geral.
Adicionalmente, ele já deve saber que, nos estados, o espaço para pagar Previdência é mínimo. Sem equacionamento do passivo atuarial, é o problema fiscal estadual que explodirá mais rápido do que já ocorreu. Equacionar esse problema é constituir um fundo de pensão à la Previ, com o aporte de ativos e outras providências, mas tendo em segundo plano uma reforma de regras, capaz de ajustar o lado do gasto.
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Só assim se consegue retirar dos orçamentos o grosso da dentada da Previdência, viabilizando a retomada dos investimentos públicos e outras necessidades (como, pasmem, cumprir a PEC do Teto e a Regra de Ouro, algo que deve estar tirando o sono dos novos dirigentes). E o mesmo precisa ser feito na União, que parece ter maior capacidade de financiamento, mas de fato não tem. Continuar emitindo moeda a rodo, como Meirelles fez, uma hora virará hiperinflação, e isso representará um tiro no coração de quem vier à frente, tanto Bolsonaro como seus sucessores.
Negociar a arrumação da Previdência dos servidores deveria preceder a do Regime Geral, até por ser mais administrável do que a deste. Primeiro, os servidores já sabem que seu regime está virtualmente falido. De fato, trata-se da troca da sustentabilidade de um regime generoso que beneficia um grupo poderoso e de muito menor tamanho, pelo apoio à aprovação de tudo o mais, inclusive do grosso da mudança de regras.
Nossa tradição míope é, contudo, jogar o foco apenas no Regime Geral, e raramente conseguir aprovar algo no Congresso, que reluta a retirar direitos dos mais pobres, principalmente quando o instrumento de mudança é uma emenda constitucional, como a que está sendo deixada por Temer.
A lei ordinária da reunião da semana passada ajudaria a adiantar o processo. Ao contrário do discurso de que se estará apenas mandando um remendo ao Congresso, a fim de enganar a todos, a pressa de fazer algo se justifica exatamente para demonstrar aos agentes em geral (não só ao mercado) que se está fazendo o máximo possível em cada momento. Ou, como talvez respondesse Bolsonaro, que não está obrigado a entender muito de economia mas sabe tudo sobre política, porque medida boa é a que se consegue aprovar.
Fonte: “Correio Braziliense”, 13/11/2018