No Brasil, é senso comum que o Estado deve proteger o consumidor da ganância das empresas privadas pelo lucro. Em nenhum momento essa visão teve tanta força quanto no governo da ex-presidente Dilma Rousseff.
A sanha regulatória era tanta, que até mesmo empresários que se beneficiavam das falcatruas petistas reclamavam. Hoje preso pela Operação Lava Jato, certa vez Marcelo Odebrecht me falou sobre sua irritação com a forma como Dilma queria regular o mercado de energia. “Ela quer tabelar o lucro, um absurdo!”, disse.
Se até Marcelo, que se vangloriava do acesso privilegiado a Dilma e confessou a compra de medidas provisórias e o suborno para obter contratos, reclamava, que dizer de empresários com menos, por assim dizer, prestígio?
Dilma foi o caso extremo da histeria regulatória que assola o país e torna difícil não apenas a vida dos empresários, mas dos próprios consumidores. É triste constatar, ano após ano, a posição do Brasil na pesquisa Doing Business, do Banco Mundial, que compara o ambiente de negócios em vários países. Em burocracia, estamos em 123º, abaixo de Argentina (116º), China (78º), Chile (57º) e Rússia (40º).
Esse quadro é resultado de uma história de desconfiança do mercado, que resultou numa barafunda de leis e regulamentos inúteis – da CLT de Getúlio Vargas a normas da Anvisa sobre embalagens. Todas as regras funcionam apenas numa direção: proteger o consumidor de empresas “malvadas”, que querem “enganá-lo” só para lucrar mais.
Pouca gente entende que não há maior defesa do interesse do consumidor que um mercado livre e competitivo. A competição garante preço menor e qualidade maior – fato comprovado pela teoria econômica há séculos. Empresa que não acompanha a qualidade e o preço exigidos pelo mercado quebra, como sabe qualquer feirante.
São raras, no Brasil, as ocasiões em que podemos observar e avaliar uma mudança na regulação não no sentido de proteger o consumidor, mas de abrir o mercado. Foi o que aconteceu no setor de transporte aéreo, quando a Agência Nacional da Aviação Civil (Anac) passou a permitir que as empresas cobrassem pelo transporte de bagagem.
A gritaria foi grande. As aéreas foram acusadas de uma cobiça sem fim, de querer cobrar ainda mais para ampliar seus lucros – e aqui sempre costuma entrar o adjetivo “extorsivos” –, em troca de um péssimo serviço. Quem voa regularmente sabe como o serviço é prestado é ruim, com atrasos, mudanças de portão e o jargão insuportável que infesta os anúncios de aeroportos, pilotos e comissários.
A cobrança pelo transporte de bagagens teve, contudo, o efeito inverso ao que sugeria a gritaria. Como qualquer aluno de primeiro ano de economia saberia explicar, os preços caíram. Um relatório divulgado ontem pela Associação Brasileira dsa Empresas Aéreas (Abear) verificou uma redução entre 7% e 30% na tarifa média desde junho, quando a regra entrou em vigor.
Quase dois terços dos passageiros passaram a viajar sem bagagem despachada (60% na Azul, 63% na Latam e 65% na Gol). Só na Gol, cresceram 50% aqueles que viajam apenas com bagagem de mão, em comparação com o mesmo período do ano passado. Em números corrigidos pela inflação, a tarifa média registrada desde a implantação da medida – R$ 323,62 – é a mais baixa da história.
Ao permitir a cobrança pelo transporte de bagagens, a Anac eliminou o risco daquilo que os economistas chamam de “tragédia dos comuns”. Quando um recurso é gratuito – sejam peixes num rio, árvores numa floresta ou espaço no bagageiro –, há um incentivo a que seja usado até o esgotamento, com prejuízo para todos. Aquilo que parecia abundante se torna escasso.
Embutir o custo do transporte da bagagem no preço da passagem gera incentivo semelhante: o passageiro tende a usar o espaço todo, até o limite do excesso de bagagem. A impressão é que um recurso escasso – o espaço no avião – é abundante. Tal impressão não é real, pois nada sai de graça. O custo é dividido por igual, entre todos os passageiros. Com o incentivo a todos para carregar mais bagagem, o preço sobe.
Ao separar o preço da bagagem e submetê-lo às regras do mercado, o incentivo muda. O recurso escasso passa a ser regido pela lei da oferta e da procura. O consumidor é incentivado a reduzir o uso do espaço: arrumar melhor a mala, levar menos bagagem, carregar menos peso (como na imagem). Isso reduz o consumo de combustível, distribui melhor o peso na aeronave e, num mercado competitivo, permite que as empresas cobrem menos pela passagem, para atrair mais clientes. Permite, também, que lucrem mais.
Eis o mecanismo virtuoso do mercado. O lucro das empresas funciona a favor do consumidor, ao garantir preço mais baixo. Pena que, no Brasil, ainda haja tanta resistência a entender fatos tão básicos de economia e que, na tentativa de proteger a cidadão, o Estado acabe por transformar sua vida num inferno. Num inferno caríssimo.
Fonte: G1, 22/09/2017.
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