Médicos reclamam da remuneração que recebem dos planos de saúde, mas estes alegam não ter como elevar esse pagamento sem aumentar o que cobram do consumidor
Os médicos brasileiros têm toda a razão para estarem indignados com a remuneração que recebem dos planos de saúde privados. Magros R$ 48 médios não fariam um médico norte-americano vestir o jaleco, quanto mais atender um paciente. E no Brasil eles atendem e trabalham horas a fio todos os dias, quando muito para receber esta quantia por consulta realizada.
A consequência disso é a realização de um número alto de consultas por dia, o que, evidentemente, aumenta as chances de erro médico, além da solicitação de um número exagerado de exames de todos os tipos, alguns difíceis de entender a razão do pedido.
Nessa briga, quem morre com a conta é quem sofre. O consumidor dos planos de saúde privados, que é quem banca todo o sistema, acaba não tendo o atendimento a que esperava ter direito ao contratar o plano privado.
Evidentemente, isso não tira o direito dos médicos reivindicarem honorários mais condizentes com sua formação, tempo de estudo e sacrifício no exercício profissional. A questão que se coloca é: como fazer? Voltando ao exemplo norte-americano, lá o gasto médio anual com plano de saúde privado por pessoa se aproxima dos US$ 3 mil. No Brasil essa média cai bastante, mal e mal atingindo US$ 800 por ano. É a mesma realidade da diferença dos orçamentos para saúde. Enquanto os norte-americanos gastam algo próximo de US$ 2 trilhões por ano com saúde, o Brasil não chega a US$ 100 bilhões, sendo que perto de 60% do total é gerado pelos planos de saúde privados, que atendem mais ou menos 50 milhões de pessoas. Ou seja, 140 milhões de brasileiros usam o SUS, que recebe apenas 40% do total das verbas destinadas à saúde que são pagas pelo governo.
É bom salientar que a ordem de grandeza das despesas norte-americanas não garante ao cidadão médio um atendimento sofisticado e que, agora mesmo, a nova lei da saúde pública, que deveria corrigir as falhas do modelo, está sob severa crítica, não apenas da oposição, mas de governadores de estado e da própria população.
Mas o fato da saúde pública norte-americana não ser boa não justifica a brasileira também não o ser. E a verdade é que nosso sistema está muito ruim, bastando, para se ter certeza disto, assistir aos noticiários das televisões.
Como o governo não está disposto a mexer no seu orçamento e realocar verbas complementares para a saúde, resta a ele forçar os planos de saúde a atenderem mais do que os seus desenhos preveem e tentar ressuscitar a CPMF.
Para auxiliá-lo na forçada de barra para o atendimento de eventos originariamente excluídos, o governo conta com duas ferramentas: a falta de uma eficiente coordenação das ações das diferentes operadoras de planos de saúde privados e o Judiciário, que, em nome de preservar a vida, obriga os planos a atenderem praticamente tudo, sem atentar que quem vai pagar a conta para as despesas excluídas são os demais segurados do sistema.
Nos últimos tempos, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), tem se esforçado para melhorar as condições operacionais do sistema. Mas é um processo longo e que tem como principal obstáculo a própria lei, já que as disposições votadas em 1998 resultaram numa lei muito ruim.
Neste momento, em função do aquecimento da economia brasileira, as operadoras de planos de saúde privados estão vivendo um período positivo. Mas isso está apoiado na entrada de novos participantes, e não no desempenho das operadoras, ou seja, com a diminuição do nível de adesão e com o final das carências dos planos mais novos, o desequilíbrio entre receita e despesa pode voltar a se acentuar, comprometendo boa parte do sistema.
A ANS tem desenvolvido ações importantes para evitar que novos problemas venham a afetar o atendimento. Mas tem um problema que ela não tem como solucionar. O brasileiro não tem como pagar mais pelo seu plano de saúde e, sem que aconteça o aumento do faturamento das operadoras, não há como elas remunerarem bem seus prestadores de serviços.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 11/04/2011
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