Em uma conta TikTok que coleta opiniões polêmicas no metrô de Nova York, uma jovem deixa seu ponto de vista: “as pessoas precisam ter menos pets e mais bebês.” Nós estamos envelhecendo, diz ela, e eventualmente a geração millennial se tornará a futura geração boomer. “Evocê já conversou com boomers?”, diz ela, “É uma tragédia”.
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É uma reflexão inusitada, mas que tem seu ponto. A ausência de novas perspectivas e o excesso de conservadorismo de uma sociedade envelhecida podem criar um ciclo de estagnação e um sistema político menos inovador e mais resistente às mudanças, onde velhas ideias são recicladas e a inovação é desencorajada. “Um chihuaua não vai desmanchar o Broadway Triangle em Bushwick e transformá-lo em uma área ‘cool’,” diz a passageira no metrô, “mas os jovens vão.”
De fato, sociedades com baixo crescimento demográfico são frequentemente avessas ao risco. Os jovens, com mais energia, ambição de empreender e disposição para trabalhar longas horas, são agentes de dinamismo econômico e social. Jovens estão preparados para planejar os próximos 20 anos, para investir em mudar a cara das suas cidades e suas comunidades, enquanto sociedades envelhecidas estão mais propensas a preservar o status quo, mais preocupadas com o que não podem perder do que no que podem ganhar.
O Brasil está envelhecendo mais rápido do que imaginávamos. Conforme divulgado no censo, nossa taxa de crescimento anualizou em apenas 0,52% nos últimos 12 anos, a mais baixa da história. Em vez dos 213 milhões de habitantes esperados, a população ficou aquém em cerca de 10 milhões – quase o equivalente à população do município de São Paulo. Parte do problema é migratório, com mais cérebros fugindo do que entrando. Mas um desafio que se apresenta agora, como em muitos outros países, está na taxa de fecundidade declinante há décadas. Nos anos 1980, havia quatro filhos vivos nascidos por mulher em idade reprodutiva. Em 2020, esse número havia caído para 1,65 filhos.
Comentaristas frequentemente retratam a queda da natalidade como um efeito natural, um fenômeno inevitável do progresso social. Mulheres e famílias, dizem eles, têm mais controle sobre a reprodução; os estados de bem-estar substituíram o papel dos filhos no cuidado dos pais idosos; o mercado de trabalho moderno atrasa a paternidade e a maternidade, às vezes indefinidamente.
Embora a estagnação demográfica não estampe tantas manchetes quanto a estagnação econômica, seus efeitos são igualmente profundos, e intrinsecamente entrelaçados com os da economia. A história nos oferece exemplos de como a recessão econômica se relaciona com a queda da natalidade – afinal, a decisão de expandir a família é também uma decisão financeira. Devemos lembrar que durante o período em que o último censo foi realizado, o Brasil passou por uma das recessões mais profundas já registradas.
Ainda assim, da mesma forma que a economia, não estamos predestinados a uma trajetória de declínio demográfico. Ambos devem ser vistos como desafios superáveis, e não como profecias auto-realizáveis.
Sociedades envelhecidas perdem a capacidade de manter um crescimento sustentável em longo prazo. A diminuição da taxa de natalidade acarreta um encolhimento da força de trabalho, exercendo uma pressão adicional sobre os sistemas de saúde e segurança social, que precisam lidar com uma população cada vez mais velha, exigindo mais recursos, sem a devida reposição de contribuintes jovens.
Mas o impacto fiscal pode ser menos preocupante do que o declínio produtivo. Economistas preveem que a queda demográfica resultará em menos poupança e investimento, com o maior impacto na produtividade devido à diferença na “inteligência fluida” e “inteligência cristalizada” entre os jovens e os mais velhos. A “inteligência fluida”, predominante nos jovens, é crucial para a inovação, e estudos indicam que ela atinge o pico no início da vida adulta e começa a declinar a partir dos 30 anos. Uma pesquisa de 2021 com um banco de dados de 3 milhões de patentes mostrou que as taxas de patenteamento atingem o pico no final dos 30 e início dos 40 anos de um pesquisador, diminuindo gradualmente durante os 40 e 50 anos.
O aumento da desigualdade também pode estar associado à estagnação demográfica. A visão pessimista de Thomas Piketty em Capital no Século 21 presume que menor crescimento demográfico gera menor crescimento econômico – e que famílias com menos filhos tendem a elevar a concentração das heranças em menos mãos, o que não aconteceria se pais e mães estivessem bem acima da taxa de reposição.
Por isso, é crucial que reconheçamos a necessidade de revitalizar a taxa de natalidade brasileira. Não para retornar a um passado idealizado, mas para assegurar um futuro onde o Brasil seja caracterizado por uma sociedade dinâmica, inovadora e próspera, e não por um envelhecimento passivo e estagnação social. O Brasil precisa de mais jovens, não apenas para garantir nosso futuro econômico, mas também para manter a chama do nosso dinamismo acesa.
Isso não significa impor ou restringir as escolhas individuais, mas sim criar um ambiente propício e favorável à criação de famílias, com políticas sociais e econômicas adaptáveis às necessidades das famílias de todos os tamanhos.
Um mercado de trabalho mais vibrante e flexível, por exemplo, pode facilitar a compatibilidade entre a vida familiar e a profissional – para que pais e mães possam conciliar trabalho e família sem se sentir sobrecarregados. A adoção de políticas flexíveis de trabalho, licença parental compartilhada e disponibilidade de creches de qualidade e acessíveis são alguns dos possíveis caminhos. Exemplos bem sucedidos de creches e escolas públicas com gestão privada – via Organizações Sociais ou vouchers – são exemplos a serem replicados cada vez mais. Da mesma maneira, despesas de saúde podem ser aliviadas com ganhos de eficiência no setor.
Outra estratégia é aumentar a oferta de moradias. Hoje, cerca de ¼ da renda da família brasileira é comprometida com despesas de habitação. A multiplicação da necessidade de domicílios sem ampliação da oferta imobiliária pune famílias brasileiras com aluguéis mais altos. Precisamos de políticas que incentivem a construção de moradias, seja pela desburocratização de leis de zoneamento ou pela concessão de aluguel social que permita uma melhor alocação espacial dos nossos mercados de trabalho.
Além de políticas públicas, artistas, influenciadores e intelectuais públicos também podem ajudar a desconstruir o estigma social em torno de ter muitos filhos. Uma pesquisa de 2012 liderada por Eliana La Ferrara mostrou uma relação intrigante entre as novelas e a taxa de fertilidade no Brasil. A representação de famílias pequenas e estilo de vida urbano parecem ter influenciado as expectativas e as escolhas familiares dos brasileiros. Ter muitos filhos passou a ser percebido como um indicativo de baixo status social.
Como escreve Ross Douthat em seu livro The Decadent Society, “Os seres humanos são criaturas relacionais. Dependemos da comunidade para a felicidade cotidiana, e imaginamos e encontramos o futuro mais intensamente por meio de nossa própria prole, nossa carne e sangue.” Um mundo com menos filhos e netos é um mundo onde as pessoas se veem menos no futuro da sua própria nação.
O Brasil precisa continuar a se ver no futuro. Precisamos de mais bebês do que chihuahuas. Não é uma questão de escolher entre progresso social e natalidade, mas de reconhecer que uma sociedade próspera e resiliente precisa tanto de um quanto do outro.