A ideologia é uma forma de totalitarismo da razão.
Não foi por acaso, portanto, que o século XX viu o surgir de sistemas políticos autoritários, erguidos sob uma tacanha lógica binária de profusão de pobreza, guerras e traumatismos sociais. Felizmente, a queda do Muro de Berlim marcou a vitória do liberalismo econômico sobre as reducionistas fórmulas do estatismo dirigido. O problema é que a globalização dos mercados não gerou uma correlata expansão da institucionalidade democrático.
A democracia, antes de uma ideologia, reflete uma atitude perante a vida: a decidida convicção com a liberdade pessoal. Ou seja, o autêntico democrata é sempre um opositor a fórmulas irracionais de poder que, através da manipulação ou da mentira, escravizam o pensamento das pessoas para torná-las reféns de formas ideológicas limitadas, arbitrárias ou parciais.
Em tempo, o atual desencanto com a política não deixa de ser um reflexo das insuficiências da tradicional divisão entre esquerda e direita. Ora, os arranjos sociais vencedores são infinitamente mais complexos que dois lados aparentemente antagônicos, mas que – não raro – andam de mãos dadas sobre desonestas pautas comuns. Sem cortinas, o atual jogo de cena da política se tornou desinteressante aos olhos de uma cidadania global com pleno e instantâneo acesso às informações.
Leia mais de Sebastião Ventura
A queda do Antigo Regime brasileiro
Feudalismo republicano
Seja intolerante nas urnas!
Como bem a aponta inteligência superior de Christopher Lasch, “a política tornou-se uma questão de gestos ideológicos, enquanto os problemas reais permanecem sem solução”. Nesse contexto, a democracia moderna representa uma era pós-ideológica, cuja razão de ser é a apresentação de respostas eficazes aos dilemas humanos. Trata-se de um mundo à procura de concretude existencial contra as ilusórias abstrações infundadas do passado.
A retomada exitosa do movimento democrático pressupõe a conexão da política com o latente sentimento social por uma nova narrativa histórica. As incertezas do hoje, ao invés de impossibilidades invencíveis, representam infinitos caminhos à democracia contemporânea. Diante de tantas dúvidas sobre o futuro, importante lembrar a sempre estratégica advertência de Henry Kissinger de que a política requer a “habilidade de projetar além do conhecido”. Em outras palavras, o amanhã não se fará sobre os passos de ontem.
+ A renovação político-partidária que queremos
Acontece que os atuais players da política possuem um modelo mental superado e, por assim ser, desconectado às urgentes necessidades da civilização contemporânea. Estruturalmente, a burocracia e sua numerosa classe de funcionários públicos – tão úteis e necessários ao desenvolvimento no século passado – são completamente incompatíveis com a velocidade da economia tecnológica e seus irrefreáveis instrumentos de inteligência artificial. Ou seja, temos um profundo conflito intergeracional que somente será superado com novas dinâmicas e lógicas de solução.
Por tudo, a implantação de um novo sistema operacional da política somente será possível com a exposição nua e crua daquilo que superado está. Tal linha de princípio, ao invés de conflitos intermináveis, sugere a inadiável necessidade de um diálogo político integrador que seja apto a superar diferenças históricas, mostrando um caminho de futuro promissor. A democracia não é uma promessa de facilidades, pois só homens autenticamente livres e autônomos são capazes enfrentar e vencer aquilo que lhes oprime.