5. O ponto de vista conservador sobre os assuntos atuais
Todos esses princípios conservadores desdobram-se em diversas considerações sobre os temas mais importantes da atualidade. Esse conjunto de ponderações forma o que poderia ser chamado de “ideologia conservadora”. Não é um dogma, uma “bíblia conservadora”, mas apenas uma coletânea daquilo que é adotado pela maioria das pessoas que aderem a essa forma de pensar. A seguir, serão enumeradas as posições conservadoras mais proeminentes.
Estado laico não significa Estado ateu: a Constituição Federal nunca teve a intenção de excluir a religião da vida pública. Pelo contrário. No preâmbulo, faz referência implícita ao cristianismo (“sob a proteção de Deus”) e ainda concede imunidade tributária aos “templos de qualquer culto” (art. 150, VI, b). A única restrição refere-se à vinculação estatal com “cultos religiosos ou igrejas”, mesmo assim com a ressalva da “colaboração de interesse público”. Portanto, iniciativas que pretendem excluir qualquer forma de religiosidade dos espaços públicos (como a colocação de crucifixos) são um atentado à liberdade de religião.
As drogas devem continuar banidas: o movimento de legalização das drogas incorre em uma contradição insolúvel – defendem-na em nome da liberdade individual, mas é sabido que seu consumo provavelmente levará ao vício, que é a ausência total de liberdade! O efeito da legalização seria principalmente aumentar de modo drástico o consumo dessas substâncias. Um dos mitos a esse respeito é que a repressão não funciona: nos Estados Unidos, em 1979, 14,1% da população havia usado drogas ilícitas; em 2006, depois de anos de combate, o percentual diminuiu para 8,3.
Os empreendedores são a força vital da economia do País e merecem cada centavo do que ganham: basta ver a propaganda política para perceber como os empresários são demonizados. São costumeiramente vilipendiados e considerados culpados pelos males da nação. Porém, são eles que tomam os riscos: podem quebrar e podem ficar ricos ou, mais costumeiramente, em algum lugar no meio. Mais ainda: foi demonstrado que o empresário brasileiro é o campeão mundial em horas trabalhadas para pagar o Fisco – 2.600 horas por anos, contra, por exemplo, apenas 63 horas na Suíça. Nossa prosperidade depende essencialmente daqueles que são mais atacados. Boa parte disso pode ser simplesmente explicado por um sentimento que ninguém admite ser portador: a inveja.
As cotas raciais são um erro: qualquer privilégio dado a uma categoria de pessoas em detrimento às outras é uma grave lesão ao princípio constitucional da igualdade. No caso das cotas raciais, a lesão é ainda mais grave, pois o Brasil não é um País racista – não há movimentos que defendam a “supremacia branca”, nem nenhuma publicação nesse sentido; também nunca houve leis segregacionistas. Além disso, a imposição da política de cotas a todas as situações sociais (como pretende o projeto de lei chamado “Estatuto da Igualdade Racial”) tem um enorme potencial de criar tensões sociais, principalmente devido ao ressentimento daqueles prejudicados por essa política.
Os pais devem ter o direito de educar seus filhos em casa: é do conhecimento geral a falência do ensino brasileiro. Mesmo as escolas particulares têm desempenho pífio nos exames internacionais. Também é bastante conhecido o fato de que boa parte dos professores brasileiros tem se importado muito mais com a doutrinação ideológica (usando o famoso lema “formar cidadãos”) do que com a educação propriamente dita. Por isso, e considerando a liberdade de consciência de cada um, os pais devem ter a permissão para educar os filhos em casa (chamado de homeschooling). O Estado poderia exigir apenas que as crianças e os adolescentes sejam submetidos a testes de proficiência em determinadas matérias, para verificar a qualidade do ensino dado em casa.
Cada pessoa é a única responsável por seu destino: está na moda falar de “responsabilidade social”, como se cada pessoa fosse responsável pelo destino de todas as outras e cada um tivesse que pagar seu “débito social”. Por outro lado, também está em voga retirar a pessoa da responsabilidade por seus próprios atos, como se todos fossem inimputáveis. Exemplos disso são as constantes intervenções nas relações privadas (como a recente proibição de venda de aspirinas nos balcões de farmácia) e os processos de fumantes (conscientes dos danos causados pelo fumo) contra os fabricantes de cigarros. Retirar da pessoa a responsabilidade por seus próprios atos não é apenas imoral, mas também afeta profundamente sua dignidade como ser humano.
Deve haver “tolerância zero” contra a criminalidade: um dos efeitos da “desresponsabilização individual” é a crença romântica (para ser mais preciso, marxista) de que os criminosos são vítimas da sociedade e que, por isso, precisam ser protegidos ao extremo. Trata-se de uma nítida inversão de valores: os indivíduos honestos da sociedade passam a ser considerados culpados pelos crimes dos desonestos. Combater o crime significa salvar vidas e proteger pessoas inocentes. Para a sua diminuição drástica, não é necessário que o Brasil seja transformado em um “paraíso social-democrata”; basta a aplicação de uma velha fórmula testada e aprovada em diversos lugares (inclusive em São Paulo): cumprimento integral da lei, com mais policiamento e mais vagas nos presídios. Além disso, é preciso que a Justiça, a Polícia e o Ministério Público sejam geridos de forma eficiente, sem inquéritos e processos que se delongam indefinidamente.
Os cidadãos honestos devem ter o direito de portar armas: desde a promulgação do Estatuto do Desarmamento, em 2003, tem sido realizada uma intensa campanha que vincula a quantidade de armas de fogo com a ocorrência de crimes violentos. Essa vinculação é simplesmente falsa, uma vez que países com número de armas por habitante bem maior que o Brasil (Estados Unidos, Finlândia e França, por exemplo), têm níveis de homicídio significativamente menores. Além disso, existem pesquisas consistentes indicando exatamente o contrário: quanto mais armas existem, menor é a criminalidade.
O Estado de Direito não pode ser submetido aos desejos de determinados grupos: nos Estados Unidos, os conservadores distinguem-se dos esquerdistas (chamados de liberals) principalmente no tocante à atitude perante a lei. Os primeiros acreditam que a lei, mesmo ruim, deve ser cumprida, uma vez que é vinculante para todos. Os últimos distorcem o sentido da lei ou mesmo a desobedecem frontalmente em nome do que consideram mais justo para a sociedade. Na verdade, os esquerdistas querem impor sua particular visão de mundo para os outros. No Brasil, são exemplos nítidos: o Movimento dos Sem-Terra, que constantemente desprezam a lei em nome de uma “sociedade melhor”; e os juristas que distorcem o sentido da Constituição para adequá-la ao que consideram ser mais justo – é a famosa doutrina da “mutação constitucional”.
O aborto, em qualquer fase da gestão, deve ser mantido como crime: qual é a essência do ser humano? Para os religiosos, a alma; para os materialistas, a carga genética. Nos dois pontos de vista, é inegável que a vida humana começa na concepção e deve ser, a partir desse momento, protegida. A argumentação abortista falha ao relacionar o direito à vida com circunstâncias meramente acidentais à própria vida, como a sua viabilidade; a possibilidade de sentir dor; a dependência do corpo materno; e mesmo a existência da consciência de si mesmos. Aparentemente, só teria direito à vida o ser humano “completo”, que tenha, efetivamente, todas as potencialidades da espécie humana. Enfim: o argumento da liberdade da mulher sobre o próprio corpo esbarra em seu equivalente – o direito do nascituro ao seu próprio corpo, mais ainda, à sua própria existência.
A família tradicional é a base de qualquer sociedade e seu desmantelamento tem provocado efeitos extremamente danosos: é bem sabido que a família chamada de tradicional (formada por pai, mãe e filhos) está em franca decadência, sendo considerada por muito como ultrapassada. Porém, quase nada é falado quanto aos “efeitos colaterais” desse processo: aumento dramático da criminalidade juvenil (é notável que quase todos os adolescentes infratores presos não tenham sido criados pelos pais); crescimento, também dramático, de infecção por doenças sexualmente transmissíveis e, de forma colateral, de gravidez na adolescência; aumento também dos crimes sexuais (chama a atenção que um menina criada sem o pai tem várias vezes mais chances de ser violentada). Finalmente, as recentes pesquisas sobre felicidade têm demonstrado que a vida em família é um componente essencial para o bem-estar do indivíduo. Nesse sentido, é preciso estimular o casamento (uniões informais são bem mais propensas ao desfazimento) e manter as formalidades legais para o divórcio que, muitas vezes, terminam por desestimulá-lo (ao contrário do que prevê o bizarro projeto do “divórcio on line”, feito pela internet e sem necessidade de tempo mínimo de separação).
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Ótimo, um tabalho de fôlego
Parabéns pelo excelente trabalho.
De forma bastante concisa conseguiste transmitir a essencia do pensamento conservador.