Estaria a presidente Dilma Rousseff violando a lei se comesse uma fatia de queijo de minas? É perfeitamente possível que sim, pois ela tem de obedecer ao que o governo permite ou proíbe que os brasileiros ponham na boca ao fazer uma refeição. Pelo bom-senso mais elementar, a presidente da República deveria ter o direito de comer em paz o seu queijo — sem precisar, antes, consultar o advogado-geral da União para saber se isso está ou não dentro da legalidade. Mas o Brasil é o Brasil. Aqui, entre outros prodígios da lei, um papagaio tem de ser submetido a autópsia quando morre, para esclarecer suspeitas de alguma infração sanitária — e num país onde se exige um negócio desses, e as autoridades entendem que só existem dois tipos de coisas na vida, as obrigatórias e as proibidas, sempre é bom perguntar tudo. No caso do queijo mineiro, por exemplo, nada é tão simples como parece. A rigor, ele praticamente não pode ser comido fora do território de Minas Gerais, pois tem de respeitar o Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal — e cumprir as exigências feitas ali, ao longo de 900 artigos, é mais do que promete a força humana.
Acredite-se ou não, o regulamento foi criado por um decreto do presidente Getúlio Vargas, em 1952, e está em vigor até hoje, como lembrou recentemente o suplemento de comida de “O Estado de S. Paulo”. Na verdade, é nele que se sustenta toda a fiscalização atual dos alimentos que vêm de qualquer bicho existente sobre a face da Terra — piorada, é claro, pelo tsunami de novas regras criadas de lá para cá. É uma coisa tão velha que só os brasileiros com mais de 60 anos de idade tinham nascido quando o decreto começou a valer. É, também, um momento inesquecível do “Estado” brasileiro em ação — esse “Estado” que pretende saber tudo o que é melhor para você. O regulamento em questão, por exemplo, achou necessário explicar o que é um queijo — um produto de “formato cilíndrico”, com “untura manteigosa” e dotado de “buracos em cabeça de alfinete”. É uma sorte, realmente, que o governo tenha pensado nisso: graças à sua sabedoria, nenhum cidadão corre hoje o risco de ver um queijo e não saber o que é aquilo. O problema real começa quando os escreventes da administração pública decidem o que se pode fazer ou não com um queijo canastra, digamos, e uma porção de outras coisas boas.
Para sair de Minas, o queijo tem de receber um carimbo de autorização do SIF, ou Serviço de Inspeção Federal, que faz pane do Mapa, ou Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, e não incomodar a Anvisa, ou Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que é do MS, ou Ministério da Saúde; também precisa fazer o que manda o Dipoa, ou Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal, e o Sisbi-Poa, ou Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal, ambos do mesmo Mapa, e obedecer à vigilância sanitária das prefeituras. Deu para entender? Tanto faz. Mesmo que entendam, os pequenos produtores — de cujas queijarias sai quase todo o queijo mineiro que merece ser chamado assim — não têm a menor condição de cumprir as exigências de uma manada de burocratas desse tamanho. O resultado é que nos grandes centros consumidores o produto legítimo de Minas quase só pode ser encontrado no comércio clandestino: os supermercados e o varejo legalizado não se arriscam a comprar queijo “informal”. Os produtores artesanais deixam de ganhar milhões de reais por ano, pois não conseguem vender o volume que poderiam. Os consumidores deixam de comprar, pois não conseguem achar à venda o queijo que querem comer. Quem ganha alguma coisa com isso?
Por causa desse mesmo sanatório geral, os restaurantes brasileiros estão proibidos de servir frango ao molho pardo, ou galinha de cabidela. Não podem matar, eles mesmos, o frango e separar na hora o sangue, ingrediente essencial da receita. Têm de comprar frango oficial, nos abatedouros oficiais — e ali é proibido vender sangue fresco. (Não está claro se o cidadão pode comer um frango ao molho pardo feito na cozinha da própria casa.) As patrulhas da Anvisa também proíbem a fabricação de goiabada, ou qualquer outra coisa, em tachos de cobre, como sempre se fez no Brasil. Não permitem, além disso, o uso de colheres de pau na preparação de alimentos, e mostram-se indiferentes ao fato de que 70% de tudo o que se come no Brasil vem dos pequenos produtores — os menos capazes de cumprir as ordens do governo. Preste atenção no que anda comendo, presidente Dilma. Pode ser ilegal.
Fonte: revista “Veja”
Em Sebastião Laranjeira Bahia, fronteira com Espinosa Minas Gerais. Para que serve tantas leis em nosso país quando as grandes maiorias para certas categorias não são devidamente aplicadas? Por serem numerosas parece até incentivar a corrupção. São por motivos como estes que levam carretas de contrabando em comboio passar mercadorias sem nenhum controle vindo de Minas Gerais. Todas nossas estradas são de chão e das piores que um ser humano possa imaginar, mais serve de contrabando.
Os autores deveriam ter se informado melhor sobre todos os aspectos relacionados ao produto antes de escrever a matéria porque as leis e normas sanitárias existem para proteger a população e os consumidores. E como exemplo eu cito a tuberculose e a brucelose, duas doenças facilmente transmitidas por queijo feito com leite cru. A primeira todos conhecem mas talvez não saibam que pode ser transmitida do bovino ao humano pelo leite que não tenha sofrido tratamento térmico adequado. E a segunda é uma doença que causa aborto em vacas mas também pode ser transmitida do bovino ao humano pelo leite. Se esse leite estiver contaminado com a bactéria causadora da doença, não for devidamente tratado, e for consumido por uma mulher grávida ela irá sofrer aborto. Sou médica veterinária e fiscal agropecuária de Minas Gerais.
O grande jornalista se mostra um tanto quanto equivocado e contraditório, no início critica o RIISPOA de 1952, falando que é ultrapassado e velho. Galinha Cabidela, abate de frangos, separar o sangue da galinha, colher de pau, e alimentos na lata, são costumes talvez anteriores aos do regulamento de inspeção. Acho que cabe ao jornalista pesquisar sobre as DTAS (Doenças transmitidas por Alimentos), assim poderá compreender os 900 artigos da Lei. Essa reportagem é um grande desrespeito a classe que trabalha para garantir um alimento seguro na mesa dos Brasileiros.
Difícil até de comentar um artigo tão descabido e irresponsável do ponto de vista da segurança alimentar.
Senhor jornalista, uma boa pesquisa sobre as doenças transmitidas pelos alimentos e uma simples visita a alguns dos produtores “artesanais” que o senhor qualifica como prejudicados pelo excesso de exigências sanitárias poderia lhe abrir um pouco os horizontes.
E mais: seguindo a sua linha de raciocínio, para quê tantas leis se não servem sequer para evitar um incêndio como o ocorrido em uma boate em Santa Maria nesta semana, não? Que sejam então abolidas todas elas e salve-se quem puder. Santa ignorância…